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O Valor do Silêncio

Finalmente, lado a lado. Ele e ela. Lado a lado. Há tanto tempo que ela esperava por essa oportunidade. Queria tanto lhe dizer, havia tanto o que dizer. Sua cabeça fervilhava. Aquela era a hora. Aquele era o momento certo. Ela o olhava, e ele, impassível, indecifrável, focado e concentrado no seu caminho à frente. Não demonstrava nenhum sentimento. Também não demonstrava nenhum descontentamento, então, podia estar apenas relaxado, e aí seria melhor ainda. Ele respirava como se nem respirasse, não era possível perceber nem o movimento do peito inflando e desinflando com o ar. Ela? Já arfava, de ansiedade. Mas seguiam caminhando. Ela disse cinco ou seis frases soltas, todas relacionadas ao tempo e ao ambiente, pura tentativa de estabelecer um diálogo. Mas eram todas frases retóricas, ele assentia com serenidade e sem desviar o olhar do caminho, não dando corda ao assunto despropositado. Finalmente chegaram ao parque, por onde iriam caminhar, juntos, finalmente, lado a lado, de
Postagens recentes

Clube dos Autores

Acabo de disponibilizar no site do Clube dos Autores meu romance 'São - Sem Memória no Carnaval do Rio'. Lá também é possível adquirir a versão impressa, bem como a versão eletrônica. O livro continua disponível na Amazon. Agradeço a todos que já se interessaram e adquiriram o livro. Um bom fim de semana e boa leitura! "São" no Clube dos Autores

Autora responde a ela mesma!

Ah, doce época da inocência! Acabo de retomar meu blog, que estava suspenso desde final de 2012 e li o último texto que postei. Tudo era muito diferente há três anos. Eu era diferente. O Brasil era diferente. O verão era diferente. Naquela época eu estava incomodada com o fato de ser muito pacífica, de não me revoltar, de curtir tanto o Rio, passear no aterro, tomar água de coco e relaxar, simplesmente relaxar. Era Outubro de 2012, minha primogênita estava apenas com nove meses, era um bebê angelical em todos os sentidos, não dava trabalho, era sorridente, um sonho de criança, tão desejada e tão amada. Eu ainda estava amamentando, cheia de hormônios, ainda estava feliz da vida porque não estava mais trabalhando, apenas em casa, cuidando da minha filha, da minha casa, do meu marido, minhas cachorrinhas, meu gato, meu sonho de felicidade. O Rio estava implantando as UPPS, tínhamos a sensação de mais segurança, esperávamos a Copa, ainda com um misto de esperança e incredulidade,
E eis que nasceu, meu primeiro romance, disponível na Amazon, em formato eletrônico. São - Sem Memória no Carnaval do Rio Espero que se divirtam e se apaixonem. Não tenho maiores pretensões que essas.

Por Que Sou Tão Pacífica?

Preciso me revoltar! Indignar-me! Cerrar os punhos e chamar para a briga. Matar de vez a Pollyana que existe em mim. Mas aí vem o sol – esse bendito e maravilhoso sol – que aquece o corpo e refresca a mente. E para piorar, é primavera no Rio de Janeiro. É Rio de Janeiro, é sol, é brisa fresca do mar, enfim: quem é que consegue ficar revoltado num cenário assim?  Dá sede, bebo um coco. Budaquibariu! Quem foi que colocou adoçante nesse coco? E pronto, minha última gota de indignação vai por água de coco abaixo.  Alguém passa com o rádio ligado e nem me importo se está alto demais, pois a música inunda minha cena com a trilha sonora perfeita. Gil já sabia das coisas há muito tempo: isso aqui continua lindo. O sol, a brisa, a água de coco docinha, a música perfeita, o sorriso das razões do meu afeto, a união, a harmonia, o bom dia do estranho que deve estar tendo a mesma epifania, e pronto, está aí a razão, agora entendo, do brasileiro ser tão pacífico. Achamos que já estamos no

Grampos

No fundo da gaveta, um grampo! Como migalhas de pão indicando o caminho de casa, os grampos são uma pista de sua passagem, como sempre silenciosa, sem distúrbios, alardes ou propaganda.  Se me dissessem talvez não fosse para mim possível conceber uma existência assim, silenciosa. É como um sopro, um vento que só sopra se preciso, se chamado, trazendo alento, um frescor, um abraço, um braço de ajuda, às vezes dois, ou apenas uma comida, quando não se tem cabeça nem para providenciar o alimento necessário. Assim talvez como são os anjos: invisível, silenciosa, imprescindível.  E em cada grampo encontrado me lembro dela, de sua voz serena, aconselhando manso, não querendo invadir, sua presença aconchegante e sempre suave. E a cada grampo espalhado pela casa que encontro, único indício material de sua passagem, uma lembrança diferente, a de um carinho, de um momento de paciência, da ajuda desinteressada, da dedicação.  E em cada grampo sinto o cheiro de banho fresco, o calo

Dois Pontos de Vista

Rafael estava todo sujo, molhado e com as roupas rasgadas. A menina havia enganado ele direitinho. Ela pediu carona e ele não pode resistir àquelas feições tão singelas. Agora Rafael se culpava por ter sido superficial e julgado o caráter da moça pela sua aparência. Mas como ele poderia imaginar que aquela menina de pouco mais de dezoito anos, pele alva, cabelos loiros, longos e bem tratados, jogados pra trás e seguros com um arco, vestido branco florido em cima dos joelhos, de mangas bufantes, largo e amarrado na cintura, pudesse ser uma assaltante. Como ele poderia adivinhar que detrás daquele arbusto iriam surgir seus dois comparsas, estes sim com crachás de ‘Assaltante Profissional’. E era assim, relembrando cada momento do assalto, desde o instante que parou para a falsa mocinha, a sensação da arma dura e fria em sua têmpora, o modo bruto como fora arrancado de dentro do carro, a surra que levou como ameaça para não dar queixa, as humilhações e o abandono naquela estrada vazia.