Você se pega às vezes pensando em nada, como se seu cérebro tivesse paralisado e entrado em modo automático, conferindo ao organismo apenas os comandos necessários para continuar pulsando. Neste momento, no exato momento em que você acorda, sua mente volta num retrocesso até o primeiro pensamento que te levou à viagem sem destino e sem lembranças, mas só que agora você entende que há sim recordações de vários pensamentos, mas você mergulhou tão dentro de si que seus pensamentos ficaram inaudíveis até para você mesmo. Você se interiorizou, a um canto, uma profundeza de seu inconsciente que só pode ser sua alma, que naquele momento vagava em uma experiência extracorpórea.
Momentos fáceis de fazerem isso acontecer normalmente ocorrem naquelas horas que você está preso a alguma tarefa manual, com algum ritmo constante como fundo musical, como um mantra hipnotizante, e você não precisa pensar em mais nada além de esperar que aquele momento acabe. Como em uma viagem de avião, ônibus ou trem, onde não há mais nada a fazer senão esperar, você já leu até sua cabeça doer, dormiu até seu corpo endurecer e o passageiro ao lado te impede de ficar levantando a toda hora. O barulho constante do motor faz as vezes de fundo musical e sua mente está cansada de ficar parada. Não há melhor momento para uma fuga. Também é possível durante reuniões maçantes e demoradas, engarrafamentos, ou momentos simples de preguiça extrema em dias que não há nada obrigatório a ser feito, ou que não possa ser deixado para depois.
Quem tem tendência para essas escapadas também normalmente tem tendência para a procrastinação, se perdem em si mesmos, conscientes das obrigações, mas totalmente indefesos ao poder da mente de se desligar e se olhar de longe, pelo buraco da maçaneta. Sua consciência continua lembrando-se das tarefas pendentes, das atitudes sábias e sensatas, mas o corpo já não reage mais aos comandos racionais. Algumas viagens não têm volta, a pessoa se perde em si mesma, restando apenas seu corpo e a lembrança para os mais íntimos de quem ela foi. Mas ela foi, não voltará a ser novamente, restou impenetrável.
Assim me sinto às vezes, momentos antes de escrever. Perco-me em mim mesma, faço viagens de retorno a vidas que não vivi, ou que pelo menos não me lembro de ter vivido. Saio de mim, e sempre volto um pouco diferente, por momentos não me reconheço. Volto com pensamentos esquisitos, alheios a minha personalidade, por vezes demasiadamente românticos, mas outras, estas menos por mim relatadas, por vezes aterrorizantes, como a mente de um psicopata. Imagino (ou me recordo?) de assassinatos, tragédias e dramas rodrigueanos. Tenho experiências lisérgicas, sensações depressivas, alegrias esfuziantes inexplicáveis, tudo dentro de pequenos momentos de perda do meu consciente dentro da solidão da minha mente. São momentos invariavelmente dolorosos, porque me estranho e não me aceito. Mas como uma droga, me viciei às escapadas, cada vez mais freqüentes, cada vez mais surreais, cada vez mais frutíferas. O resultado é que apesar de me isolar tenho me exposto cada vez mais, trazendo desse mundo inventado testemunhos de experiências que não vivi, mas que posso descrever com a exatidão de um personagem principal.
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