Terno, gravata, tênis e capacete de moto. Um calor vulcânico fazia o suor escorrer como lava do cabelo para as costeletas démodé. Calça jeans apertada, camiseta branca decotada, All Star rosa choque, rabo de cavalo e capacete de bicicleta. A brisa da pedalada pela Lagoa refrescou a pele rosa e aveludada, como se lá fora fosse outono, não verão. Dentro do elevador o clima não era nem de calor, nem de frio, era de atração. Um checou o outro, de cima a baixo, de baixo a cima. Na frente, quando ela entrou depois dele. Atrás, quando ela se virou para apertar o décimo quinto. E a porta se fechou e o elevador começou a subir, só com os dois, décimo quinto e dezessete. Para ela, pouco tempo para conhecê-lo. Para ele, tempo o suficiente para passar uma cantada, e um convite.
Ele limpou o suor e abriu a boca para falar. Ela se virou e disse “ok”. Ele sorriu da ousadia, e a testou. “Ok o quê?” Ela fez uma expressão mista de reprovação e provocação. “Pensei que motociclistas não gostassem de perder tempo. Você quer joguinho? Eu prefiro ir direto ao assunto. Ok, aceito jantar com você.” O elevador parou! O tranco os aproximou, ela encostou a mão no peito dele, as luzes se apagaram por alguns segundos, e quando voltou, ambos sorriram. Ela voltou a se afastar, mais para poder olhar melhor do que por decência. Decência era convenção ultrapassada, ela era moderna.
“E quem disse que eu aguento esperar até o jantar? Não vou dar chance para você mudar de ideia. Vamos almoçar agora?” Ela sorriu em aprovação, gostou da ousadia também, combinava com o All Star dela. Mas o elevador continuava parado. Engataram em uma conversa provocante, mas informativa: bairros, estados civis, restaurantes favoritos, cidades visitadas, até que enfim os nomes. E a atração aumentando. Combinaram que iriam se encontrar em trinta minutos na portaria do prédio, para irem almoçar. Ele a levaria de moto, depois a traria de volta para a bicicleta, queria levá-la a um restaurante em Santa Teresa que prometia uma vista que combinava com o dia e aquele encontro. Mas o elevador continuava parado.
Alguns minutos de silêncio. Ela abriu a bolsa e tirou duas barrinhas de cereal. Caso o elevador demorasse, poderiam fazer o almoço ali mesmo. Lembraram-se de apertar o botão de emergência. O telefone tocou com o porteiro avisando que já haviam chamado a empresa de manutenção e que “já já” iriam resolver a situação. “Eu costumo detestar já jás, mas até que hoje não”. Ela lhe deu uma barrinha, ele aproveitou para pegar na mão dela, o ar esquentou. Sentaram-se no chão e aprofundaram o papo. Ele visitava um cliente, era publicitário. Ela visitava uma amiga, era advogada arrependida, estava mudando de carreira, queria ser cantora, estava em um período sabático. Comeram a barrinha, ficaram com sede, mas não tinham água. Ele se lembrou de outra maneira de matar a sede, e deu um sorriso sacana sugestivo. Ela também, sacana, sorriu de volta e convidou ao beijo com um olhar direto para os lábios dele.
Aí sim virou verão dentro do elevador. De calmo e respeito no princípio, o beijo foi aumentando em velocidade e intensidade, fazendo um strip-tease de pudor pelo caminho, até que se soltaram um do outro com força, ao mesmo tempo, assustados com a força do beijo e da sensação. Depois de três respirações completas e pesadas, voltaram a sorrir. “Isso foi bom!”, ela disse sorrindo e convidando para mais. Ele já começava a desejar que a assistência técnica estivesse presa em engarrafamento na linha amarela, queria pelo menos mais uma meia hora. Instintivamente olhou para a câmera, podia dar um jeito de tapá-la. Ela seguiu o olhar dele e se assustou quando se lembrou da câmera. Levantou agitada, ajeitou o cabelo, e apertou novamente o botão de emergência. Nenhuma novidade. Era o famoso “já já” mesmo, ou seja, ia demorar um pouco. Ela voltou a se sentar resignada.
Ele despistou a esfriada dela e voltou a bater papo furado, com pequenas insinuações sensuais, torcendo para voltar ao estado de tensão pré-beijo.
Demorou alguns minutos, mas estava conseguindo. Ela não parava de olhar para a câmera, então ele se levantou e prendeu o capacete na frente. Quando se virou para encará-la, ela sorria em aprovação. E o estado de tensão voltou com força total. Nem jantar nem almoço, bastou a barrinha, transaram ali mesmo. Vinte minutos depois já estavam se arrumando, e foi o tempo justo do telefone tocar novamente. Primeiro perguntaram se estava sem luz no elevador, ele tirou o capacete e disse que não, sem maiores explicações. Depois informaram que os técnicos já estavam no prédio, e que agora sim, já já estariam liberados. Ela estava terminando de se arrumar, passava batom. O elevador começou a se mexer. Ele apertou a gravata e reforçou o convite para se encontrarem na portaria. “É claro, daqui a trinta minutos.”
O elevador parou no décimo quinto, ela desceu, se virou e deu uma piscadinha para ele. O elevador fechou e ele vibrou como se tivesse acertado na loteria. Desceu no décimo sétimo sorrindo de orelha a orelha, doido para contar para alguém sobre sua aventura, e doido para acabar a reunião e reencontrá-la para uma continuação. De repente, parou e ficou preocupado, não havia pego o telefone dela, caso se desencontrassem não teria como contatá-la. Mas já estava na porta da sala do cliente, parou de fantasiar e entrou no modo trabalho.
Trinta minutos depois ela já estava chegando em sua casa de frente para a Lagoa. A empregada veio perguntar se o marido iria almoçar em casa. “Não, e eu também não vou almoçar, já comi no escritório com ele. Vou tomar um banho e sair novamente.”
Quarenta minutos depois ele estava há dez minutos na portaria do prédio aguardando por ela, ansioso para uma continuação da aventura, encantado com a ousadia e modernice da moça. Como era mesmo o nome dela?
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