Pular para o conteúdo principal

Rotina

Penumbra. É o dia que insiste em penetrar nosso quarto e nos tirar desse recanto soturno que criamos. Vejo primeiro a cortina negra com algumas nesgas de luz, que parecem cortá-la. Em seguida o edredom dourado pela meia luz, os vários travesseiros desmaiados de tal maneira que nossa cama parece um ringue. Tudo está pesado, meu corpo, o ar, sua respiração. Sua respiração! Me treinei para sempre acordar antes de você só para ver sua respiração. Seu corpo bruto de diamante mal lapidado oscilando todo como um pêndulo deitado. É esse movimento que me desperta todos os dias, não para o dia, mas para a vida. Fico estática, muda, paralisada por inteiro esperando você acordar. Sei que meu olhar te invade e incomoda, pois trinta segundos depois você se vira, joga os braços de grua em cima de mim sem piedade e me puxa para perto.
Ainda não acordou, e poderia muito bem estar buscando um travesseiro, mas é que já virei acessório da cama também. Não me importo, me sentir seu objeto é minha maior ambição neste momento. Todo meu feminismo fica lá fora uma vez que entramos em nossa alcova, e aqui eu não sou eu, sou sua. Tenho poucos minutos antes de deixar o sol trazer a brutalidade da rotina para aqui dentro, por isso aproveito para brincar uma vez mais de donzela dominada, príncipe vampiro. Então rogo intimamente para que me agarre uma vez mais, sem delicadeza, com as patas grandes e rudes, e sugue todos os meus sentidos, todas as sensações que não tenho coragem de confessar fora daqui. Às vezes temo que vá me quebrar, mas não me intimido, não reclamo, apenas me entrego. Raiou o dia, está mais claro, não sei se por causa do sol que agora grita, ou porque você abriu os olhos, diamante brilhou. Sei que agora sou esposa, visto o pudor, te beijo quase com um sopro um bom dia mecânico, e saio para fazer o café.

30/06/10

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Autora responde a ela mesma!

Ah, doce época da inocência! Acabo de retomar meu blog, que estava suspenso desde final de 2012 e li o último texto que postei. Tudo era muito diferente há três anos. Eu era diferente. O Brasil era diferente. O verão era diferente. Naquela época eu estava incomodada com o fato de ser muito pacífica, de não me revoltar, de curtir tanto o Rio, passear no aterro, tomar água de coco e relaxar, simplesmente relaxar. Era Outubro de 2012, minha primogênita estava apenas com nove meses, era um bebê angelical em todos os sentidos, não dava trabalho, era sorridente, um sonho de criança, tão desejada e tão amada. Eu ainda estava amamentando, cheia de hormônios, ainda estava feliz da vida porque não estava mais trabalhando, apenas em casa, cuidando da minha filha, da minha casa, do meu marido, minhas cachorrinhas, meu gato, meu sonho de felicidade. O Rio estava implantando as UPPS, tínhamos a sensação de mais segurança, esperávamos a Copa, ainda com um misto de esperança e incredulidade, ...

Dois Pontos de Vista

Rafael estava todo sujo, molhado e com as roupas rasgadas. A menina havia enganado ele direitinho. Ela pediu carona e ele não pode resistir àquelas feições tão singelas. Agora Rafael se culpava por ter sido superficial e julgado o caráter da moça pela sua aparência. Mas como ele poderia imaginar que aquela menina de pouco mais de dezoito anos, pele alva, cabelos loiros, longos e bem tratados, jogados pra trás e seguros com um arco, vestido branco florido em cima dos joelhos, de mangas bufantes, largo e amarrado na cintura, pudesse ser uma assaltante. Como ele poderia adivinhar que detrás daquele arbusto iriam surgir seus dois comparsas, estes sim com crachás de ‘Assaltante Profissional’. E era assim, relembrando cada momento do assalto, desde o instante que parou para a falsa mocinha, a sensação da arma dura e fria em sua têmpora, o modo bruto como fora arrancado de dentro do carro, a surra que levou como ameaça para não dar queixa, as humilhações e o abandono naquela estrada vazia. ...
E eis que nasceu, meu primeiro romance, disponível na Amazon, em formato eletrônico. São - Sem Memória no Carnaval do Rio Espero que se divirtam e se apaixonem. Não tenho maiores pretensões que essas.