Pular para o conteúdo principal

Faxina Excita?

A praia é mesmo uma riquíssima fonte de inspiração. Estava eu, em um dia desses de sol e calor insuportaveis, sozinha na praia, brigando contra o sol para conseguir ler meu livro. O astro-rei jogava baixo e se refletia nas páginas mirando diretamente em meus olhos e me cegando. Como não tinha nada mais interessante para fazer, resolvi observar meus vizinhos na areia. Não demorou nem dez segundos para eu escolher o papo e o tipo que me interessava mais. Um grupo de mulheres na faixa dos cinqüenta falava mal em alto e bom tom de uma amiga que não estava presente. Só podia ser amiga, porque não temos intimidade suficiente com inimigos para saber o que essas mulheres sabiam da pobre ausente.


As três amigas presentes criticavam principalmente as atitudes da quarta em relação a seu marido. Aparentemente, o relacionamento não ia nada bem e a culpa, para elas, era da esposa. De acordo com as Cinquentonas Saradonas de Ipanema, como eu as batizei, a razão da traição cometida pelo marido da amiga era culpa da própria, por não ter sido 'eficiente' o suficiente para mantê-lo fiel. Seu marido não estava ‘comparecendo’ porque ela só se importava com a casa. Uma das Saradonas presentes disse a pérola que é título desta crônica: “ela acha que faxina excita, que o marido só vai sentir tesão por ela se chegar em casa, passar o dedo no móvel e não encontrar poeira!” A princípio fiquei estupefata, mas depois, pensando bem, a conversa delas me remeteu a outra geração, a da minha avó.

Minha avó foi criada, assim ela me contou, para servir ao marido. Segundo minha avó, essa era a única função da mulher do momento em que nascia até a sua morte. Sua geração era treinada desde as fraldas para crescer e cuidar do lar, do marido e dos filhos. Eu fiquei admirada no dia em que encontrei em sua biblioteca um livrinho de ginástica que ensinava a mulher a se exercitar, para continuar bonita para o marido, enquanto realizava as diversas tarefas domésticas. O livrinho era inacreditável. Ensinava a comprimir e estimular o músculo do abdômen enquanto encerasse o chão; a modelar os braços enquanto varresse, a fazer exercícios para as panturrilhas enquanto lavasse vasilhas. Talvez a amiga ausente das Cinquentonas da praia tivesse sido criada segundo essa cartilha.

Muita coisa mudou da geração da minha avó para a geração das Cinquetonas. Antes a mulher devia ser a esposa perfeita, hoje a mais valorizada pela cultura popular é a amante perfeita. Agradeço ao movimento feminista pela liberdade e direitos conquistados, embora ache até importante que façamos uns mimos aos nossos companheiros, mas não vivo exclusivamente para uma coisa ou a outra. Acho que escolhi viver no meio disso tudo, em harmonia com a feminista e a feminina. A vida tem coisas muito mais interessantes à disposição que uma pia cheia de louças sujas. Agora, se faxina excita, pode ser, se você fizer usando um avental. Somente o avental.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Autora responde a ela mesma!

Ah, doce época da inocência! Acabo de retomar meu blog, que estava suspenso desde final de 2012 e li o último texto que postei. Tudo era muito diferente há três anos. Eu era diferente. O Brasil era diferente. O verão era diferente. Naquela época eu estava incomodada com o fato de ser muito pacífica, de não me revoltar, de curtir tanto o Rio, passear no aterro, tomar água de coco e relaxar, simplesmente relaxar. Era Outubro de 2012, minha primogênita estava apenas com nove meses, era um bebê angelical em todos os sentidos, não dava trabalho, era sorridente, um sonho de criança, tão desejada e tão amada. Eu ainda estava amamentando, cheia de hormônios, ainda estava feliz da vida porque não estava mais trabalhando, apenas em casa, cuidando da minha filha, da minha casa, do meu marido, minhas cachorrinhas, meu gato, meu sonho de felicidade. O Rio estava implantando as UPPS, tínhamos a sensação de mais segurança, esperávamos a Copa, ainda com um misto de esperança e incredulidade, ...

Dois Pontos de Vista

Rafael estava todo sujo, molhado e com as roupas rasgadas. A menina havia enganado ele direitinho. Ela pediu carona e ele não pode resistir àquelas feições tão singelas. Agora Rafael se culpava por ter sido superficial e julgado o caráter da moça pela sua aparência. Mas como ele poderia imaginar que aquela menina de pouco mais de dezoito anos, pele alva, cabelos loiros, longos e bem tratados, jogados pra trás e seguros com um arco, vestido branco florido em cima dos joelhos, de mangas bufantes, largo e amarrado na cintura, pudesse ser uma assaltante. Como ele poderia adivinhar que detrás daquele arbusto iriam surgir seus dois comparsas, estes sim com crachás de ‘Assaltante Profissional’. E era assim, relembrando cada momento do assalto, desde o instante que parou para a falsa mocinha, a sensação da arma dura e fria em sua têmpora, o modo bruto como fora arrancado de dentro do carro, a surra que levou como ameaça para não dar queixa, as humilhações e o abandono naquela estrada vazia. ...
E eis que nasceu, meu primeiro romance, disponível na Amazon, em formato eletrônico. São - Sem Memória no Carnaval do Rio Espero que se divirtam e se apaixonem. Não tenho maiores pretensões que essas.