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Primeiro Encontro

O primeiro encontro é especial. O primeiro encontro é cheio de expectativas. Expectativas sobre o outro e sobre nós mesmos. Queremos a noite perfeita, a lua mais redonda e mais brilhante, o trânsito desimpedido, o garçom com PhD em gentileza. É imprescindível que nossa pele esteja perfeita, o bronzeado atualizado, o cabelo idêntico a comercial de xampu e o humor e perspicácia afiados e sintonizados.

Mas eu já ouvi histórias bem aterrorizantes de primeiros encontros. Conheço duas amigas que esperavam ansiosamente pela chegada de seus pares, que vinham a seu encontro partindo de outro estado, de carro, para o primeiro fim de semana sozinhos de cada casal. Elas haviam preparado tudo: a casa, o champagne na geladeira, estética em dia, a semana inteira a base de salada e água. Ia ser o fim de semana perfeito. Ia! Eles sofreram um acidente na estrada, o carro capotou e lá se foi o fim de semana entre seguro, reboque, acalmando famílias pelo telefone, e preenchendo formulários. Os rapazes ficaram bem, sofreram arranhões leves. Mas o relacionamento, assim como o carro, deu perda total. Elas ficaram tão frustradas que nunca mais tiveram ânimo para preparativos elaborados. E eles culparam a elas pelo acidente e por morarem tão longe.

Outras não são tão trágicas, mas não deixam de ser traumatizantes. Uma amiga há anos nutria uma paixão platônica por seu colega de trabalho, mas nunca havia tido a coragem de dar o primeiro passo e convidá-lo, apenas flertava timidamente. Finalmente, um dia, ele começou a corresponder ao flerte e em questão de uma semana a convidou para um jantar. Ela cuidou dos preparativos durante toda a semana. Fez questão de comprar vestido novo, sapato novo, bolsa nova e até hidratante facial novo. De sua casa até o restaurante tudo foi perfeito, ele abriu o portão do prédio, a porta do carro para ela entrar, do carro de novo para ela sair e a porta do restaurante, mas no momento em que se sentaram de frente um para o outro ele mudou e ficou frio, distante e evasivo a noite toda. O jantar foi corrido, porque ele apressou tudo o que podia ser apressado e o cavalheirismo do início da noite já parecia ter sido uma fantasia da cabeça dela. Sem entender nada, ela subiu o elevador enquanto as lágrimas desciam. Chegou a seu apartamento e foi direto para o banheiro tomar um banho e terminar de chorar de indignação. Assim que se olhou no espelho entendeu o que havia acontecido. O tal do hidratante novo havia provocado uma reação e o rosto dela estava vermelho como um tomate caqui. No dia seguinte ela ligou para o trabalho e avisou que ficaria doente por uma semana, e nunca mais teve coragem de olhar na cara do colega.

Uma das melhores histórias que conheço é cômica e felizmente tem final feliz. O casal em questão já tinha passado da fase do primeiro encontro, pois haviam se conhecido em uma festa na praia e ficaram sem trocarem muitas palavras além das introduções iniciais. Passado uma semana, se reencontraram casualmente e resolveram dar uma segunda chance à química boa que havia rolado no primeiro encontro. Seria o primeiro encontro deles sóbrios. Ela se arrumou sem grilos e ficou linda, ele apareceu pontualmente para pegá-la e aparentava estar muito à vontade também. O jantar foi maravilhoso, divertido, espontâneo e perfeito até nos defeitos. Eles riram do garçom mal humorado, dividiram uma pizza e muitas confidências. Ela estava já excitadíssima com a possibilidade de um relacionamento. Ele já estava excitadíssimo, ponto. Do restaurante ele a levou para apreciar uma vista no ‘matadouro’ mais famoso da cidade, que ela fingiu não conhecer. Mas quando chegaram lá, tudo mudou. Ele ficou mudo, duro, sério, monossilábico. Ela tentou se aproximar, fez cafuné, jogou os cabelos de um lado para o outro, mas ele não tirava as mãos do volante. De repente, rispidamente ele disse que iria levá-la para casa e nem esperou que ela tentasse argumentar. Arrancou com o carro e chegaram ao apartamento dela ambos mudos. Ela aguardou que ele pelo menos abrisse a porta do carro para ela, o que ele fez. Sentado no banco do motorista esticou o braço por cima dela e abriu a porta por dentro. Nesse momento ela reparou que ele suava frio. Ela saiu do carro gaguejando um ‘o que está acontecendo’, mas ele nem esperou ela terminar e arrancou com o carro. Ela subiu para seu apartamento indignadíssima e ao mesmo tempo preocupada que estivesse com orégano nos dentes, ou bafo de cebola, qualquer coisa que provocasse tamanha repulsa. Não havia nada e restou somente a raiva para ela dormir abraçada.

Mas como disse, essa é uma história engraçada e com final feliz. Acontece que o rapaz teve uma reação alérgica ao queijo da pizza e estava desde o momento em que havia chegado ao mirante com uma bruta dor de barriga, daquelas que exigem toda sua atenção e respiração controlada para não se borrar nas calças. O que foi exatamente o que aconteceu assim que ela desceu do carro na porta de sua casa. Mas como ele era descolado, no dia seguinte ligou para ela se desculpando e explicando o que havia acontecido. Ambos riram bastante da situação e estão juntos até hoje. Mas nunca mais voltaram ao restaurante do primeiro encontro.

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