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Inversão de Papéis

Nascemos todos indefesos, uns mais que outros até. Somos talvez a espécie animal mais frágil ao nascer, mais dependente dos pais. Nossa origem é das mais variadas também. Desejados, imprevistos, programados, manufaturados, inseminados, adotados, acidentes. Os mais afortunados, graças que ainda seja a maioria, de uma forma ou de outra terão pai e mãe. E aí somos criados. Com ou sem experiência, somos sempre cobaias dos próprios pais, depositórios de desejos, expectativas, frustrações, válvulas de escape, experimentos da última novidade em pedagogia.

Demoramos alguns anos para termos consciência, a menor que seja, da nossa própria existência. Depois levamos mais alguns anos para compreendermos que não somos o centro do universo. Mas invariavelmente, as figuras maternas e paternas já começam a nos influenciar desde a mais tenra idade – há quem diga que desde já do útero. Independentemente, somos programados para adorar quem nos cria. E se esse ou esses que nos criam nos tratam bem, então eles serão nossos heróis, pelo menos até a pré-adolescência, quando nossos heróis passam a ser líderes de bandas de música ou alguma outra personalidade pública.
E vivemos bons dez a quinze anos nos julgando super protegidos pelos nossos super pais. Passados os anos rebeldes, chegamos à idade adulta, e com alguma sorte, ainda estaremos falando com nossos pais quando estivermos chegando aos vinte e poucos anos. Nos casamos, ou não casamos, saímos de casa, ganhamos nosso dinheiro, ou ganhamos nosso dinheiro e ficamos na casa dos nossos pais de qualquer jeito, mas enfim, somos independentes agora. Podemos beber e fumar (teoricamente), namorar, ficarmos sérios e chatos, adultecer. E aqui começa a inversão dos papéis.
Da infância à idade adulta, o tratamento predominante que nos é dispensado ao longo do tempo parece seguir a seguinte linha:
  • 0 a 5 – Tudo o que eu faço é bonitinho, não posso ir ao banheiro sozinho ainda;
  • 5 a 10 – Ficam no meu pé para eu fazer as coisas certas, agora não posso mais falar errado nem soltar pum na frente das visitas;
  • 10 a 18 – Tudo o que eu faço é errado, o mundo está contra mim, quero sair e me divertir, mas ficam vigiando tudo o que faço, as roupas que visto, o jeito que falo;
  • 18 aos 30 – Hora de ser responsável, cumprir com minhas tarefas, ser independente e responsável, ganhar meu dinheiro, cuidar da minha família, ser o super-herói da casa.
Enquanto vamos por esta ordem cronológica, nossos pais, inversamente, seguem o mesmo caminho, agora sendo vigiados pelos filhos:
  • 18 aos 30 – Hora de ser responsável, cumprir com minhas tarefas, ser independente e responsável, ganhar meu dinheiro, cuidar da minha família, ser o super herói da casa; 
  • 30 aos 50 – Tudo o que eu faço é errado, o mundo está contra mim, quero sair e me divertir, mas ficam vigiando tudo o que faço, as roupas que visto, o jeito que falo; 
  • 50 aos 65 – Ficam no meu pé para eu fazer as coisas certas, não posso falar errado nem soltar pum na frente das visitas; 
  • 70 aos 80 – Tudo o que eu faço é bonitinho, não posso mais ir ao banheiro sozinho;
Agora temos 30 a 50 anos, nossos pais entre 60 e 80. Cuidamos deles, como cuidaram de nós, exatamente como cuidaram de nós. Talvez seja a maneira perfeita da natureza encontrar uma forma de nos garantir uma chance de retribuir tudo o que fizeram por nós quando éramos tão dependentes. Ou de nos vingarmos, não sei, cada caso é um caso.

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