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Por Que Sou Tão Pacífica?

Preciso me revoltar! Indignar-me! Cerrar os punhos e chamar para a briga. Matar de vez a Pollyana que existe em mim. Mas aí vem o sol – esse bendito e maravilhoso sol – que aquece o corpo e refresca a mente. E para piorar, é primavera no Rio de Janeiro. É Rio de Janeiro, é sol, é brisa fresca do mar, enfim: quem é que consegue ficar revoltado num cenário assim?  Dá sede, bebo um coco. Budaquibariu! Quem foi que colocou adoçante nesse coco? E pronto, minha última gota de indignação vai por água de coco abaixo.  Alguém passa com o rádio ligado e nem me importo se está alto demais, pois a música inunda minha cena com a trilha sonora perfeita. Gil já sabia das coisas há muito tempo: isso aqui continua lindo. O sol, a brisa, a água de coco docinha, a música perfeita, o sorriso das razões do meu afeto, a união, a harmonia, o bom dia do estranho que deve estar tendo a mesma epifania, e pronto, está aí a razão, agora entendo, do brasileiro ser tão pacífico. Achamos que já es...

O Valor do Silêncio

Finalmente, lado a lado. Ele e ela. Lado a lado. Há tanto tempo que ela esperava por essa oportunidade. Queria tanto lhe dizer, havia tanto o que dizer. Sua cabeça fervilhava. Aquela era a hora. Aquele era o momento certo. Ela o olhava, e ele, impassível, indecifrável, focado e concentrado no seu caminho à frente. Não demonstrava nenhum sentimento. Também não demonstrava nenhum descontentamento, então, podia estar apenas relaxado, e aí seria melhor ainda. Ele respirava como se nem respirasse, não era possível perceber nem o movimento do peito inflando e desinflando com o ar. Ela? Já arfava, de ansiedade. Mas seguiam caminhando. Ela disse cinco ou seis frases soltas, todas relacionadas ao tempo e ao ambiente, pura tentativa de estabelecer um diálogo. Mas eram todas frases retóricas, ele assentia com serenidade e sem desviar o olhar do caminho, não dando corda ao assunto despropositado. Finalmente chegaram ao parque, por onde iriam caminhar, juntos, finalmente, lado a lado, de...

Dois Pontos de Vista

Rafael estava todo sujo, molhado e com as roupas rasgadas. A menina havia enganado ele direitinho. Ela pediu carona e ele não pode resistir àquelas feições tão singelas. Agora Rafael se culpava por ter sido superficial e julgado o caráter da moça pela sua aparência. Mas como ele poderia imaginar que aquela menina de pouco mais de dezoito anos, pele alva, cabelos loiros, longos e bem tratados, jogados pra trás e seguros com um arco, vestido branco florido em cima dos joelhos, de mangas bufantes, largo e amarrado na cintura, pudesse ser uma assaltante. Como ele poderia adivinhar que detrás daquele arbusto iriam surgir seus dois comparsas, estes sim com crachás de ‘Assaltante Profissional’. E era assim, relembrando cada momento do assalto, desde o instante que parou para a falsa mocinha, a sensação da arma dura e fria em sua têmpora, o modo bruto como fora arrancado de dentro do carro, a surra que levou como ameaça para não dar queixa, as humilhações e o abandono naquela estrada vazia. ...