Estava indo para um barzinho do Leblon com meu marido, numa bela sexta-feira de lua crescente, bonita e luminosa, para mais uma noite de drinques e petiscos com nossos amigos, quando, de repente, em uma das esquinas do bairro, fomos interpelados por um menino de cerca de nove anos. Até aí nada demais, é o que mais acontece nas cidades, grandes ou pequenas, de todo o mundo, aliás, salvo raríssimas exceções. Mas esse menino, Roberto, foi original em sua aproximação:
- Tio, me dá um dinheiro para comprar alguma coisa pra comer? No quê meu marido respondeu:
- Dinheiro eu não dou, mas se quiser pago um lanche pra você.
- Ah, então não me paga lanche, não. O senhor pode comprar comida ali no supermercado, só um saco de arroz e feijão tá bom, eu levo para minha mãe fazer para mim e para meus irmãos.
Enquanto pedia, apontava o supermercado 24h, gigante e reluzente, na outra esquina. Nossa reação foi uníssona e imediata, a originalidade nos fez rir e imediatamente seguimos, com o Roberto, para o supermercado. Ele já sabia todo o esquema, eu pensei que fosse ficar tímido dentro daquele mercado enorme e opulento, mas qual não era a sua desenvoltura! Foi logo pegando um carrinho e avisando ao segurança:
- Tio, eu to acompanhando eles. Eles vão comprar arroz e feijão pra mim.
Meu marido encarou o segurança e fez um leve balanço afirmativo com a cabeça. Entendemos que ele já havia sido expulso do estabelecimento, em outras situações. E começamos a compra. Claro que já não podíamos mais comprar somente arroz e feijão. O Roberto foi dando seus palpites em cada sessão:
- Posso levar um saco de farinha também?
Pegamos farinha, macarrão, óleo, sal, biscoito e achocolatado. Ao passarmos pela sessão de resfriados, meu marido perguntou:
- Vamos levar um frango, Roberto?
- Ah não, Tio, lá em casa não tem congelador, pode ser carne e lingüiça?
Pegamos a carne seca e a lingüiça. Aí chegamos na sessão de laticínios. O Roberto largou o carrinho, correu na frente e pegou uma bandeja de iogurte. Eu achei bem impulsivo, mas fiquei feliz de ver o resquício de uma criança nele. Ao voltar para o carrinho, ele avisou:
- Pode deixar que esse eu pago, tá, Tio.
E nos mostrou o dinheiro. Eu e meu marido nos entreolhamos. Sabemos a dificuldade que milhões de brasileiros enfrentam, mas encarar tão de perto essa realidade, devo dizer que, graças a Deus, ainda nos comove, e o menino ainda tinha orgulho! Queria pagar pelo supérfulo! No caminho para o caixa pegamos mais algumas coisinhas de necessidade básica e seguimos para pagar a conta. Tivemos que insistir para o Roberto nos deixar pagar o iogurte, que ele, não sei se por uma questão de honra, teimava em pagar com os trocados que segurava em uma das mãos o tempo todo. Empacotamos tudo e ajudamos aquela criaturinha miúda e ágil até a rua. Demos mais uns trocados para ele pegar uma van, e ficamos imaginando todo o trajeto que ele precisava fazer para chegar em sua casa.
O que mais nos impressionou foi a desenvoltura e eloqüência daquele menino, tão esperto e comunicativo. Fiquei imaginando o que ele não poderia ser se tivesse condições para uma educação adequada, uma estrutura segura, um lar que o tirasse das ruas. Me lembrei de um documentário sobre o Holocausto onde uma autoridade declarava que a matança dos Judeus significava uma perda irreparável de talentos para a humanidade, que Mozarts, Eisteins e Freuds haviam sido assassinados. Agora, por causa do Roberto, toda vez que vejo uma criança nas ruas do Rio, fico imaginando que talentos não estamos perdendo. A conta do Roberto deu cinqüenta reais, naquela noite gastamos três vezes isso no barzinho. Fizemos uma caridade, mas ele nos deu muito mais.
Rio, 05/07/10
Rio, 05/07/10
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