Penumbra. É o dia que insiste em penetrar nosso quarto e nos tirar desse recanto soturno que criamos. Vejo primeiro a cortina negra com algumas nesgas de luz, que parecem cortá-la. Em seguida o edredom dourado pela meia luz, os vários travesseiros desmaiados de tal maneira que nossa cama parece um ringue. Tudo está pesado, meu corpo, o ar, sua respiração. Sua respiração! Me treinei para sempre acordar antes de você só para ver sua respiração. Seu corpo bruto de diamante mal lapidado oscilando todo como um pêndulo deitado. É esse movimento que me desperta todos os dias, não para o dia, mas para a vida. Fico estática, muda, paralisada por inteiro esperando você acordar. Sei que meu olhar te invade e incomoda, pois trinta segundos depois você se vira, joga os braços de grua em cima de mim sem piedade e me puxa para perto.
Ainda não acordou, e poderia muito bem estar buscando um travesseiro, mas é que já virei acessório da cama também. Não me importo, me sentir seu objeto é minha maior ambição neste momento. Todo meu feminismo fica lá fora uma vez que entramos em nossa alcova, e aqui eu não sou eu, sou sua. Tenho poucos minutos antes de deixar o sol trazer a brutalidade da rotina para aqui dentro, por isso aproveito para brincar uma vez mais de donzela dominada, príncipe vampiro. Então rogo intimamente para que me agarre uma vez mais, sem delicadeza, com as patas grandes e rudes, e sugue todos os meus sentidos, todas as sensações que não tenho coragem de confessar fora daqui. Às vezes temo que vá me quebrar, mas não me intimido, não reclamo, apenas me entrego. Raiou o dia, está mais claro, não sei se por causa do sol que agora grita, ou porque você abriu os olhos, diamante brilhou. Sei que agora sou esposa, visto o pudor, te beijo quase com um sopro um bom dia mecânico, e saio para fazer o café.
30/06/10
30/06/10
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