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Encontro Improvável

Márcio saiu correndo do escritório, tentando fugir de Rodolfo, seu companheiro habitual de almoço, ia ser difícil despistá-lo, mas... Não teve jeito, deu de cara com ele no elevador.

- Ué, Márcio, já tá indo para o almoço, mas ainda não são nem meio-dia? Espera um pouco, vou pegar meu paletó. Ei, onde está sua gravata, tirou para ir almoçar?

- É, não, quer dizer: olha, Rodolfo, não estou indo almoçar, meu dentista abriu um horário agora, e estou indo para lá. A gente almoça amanhã. Tá calor, né! Por isso tirei a gravata.

- Que calor, Márcio, tá 19 graus lá fora, nem parece o Rio! Dentista? Sei. Qual é, Márcio, me diz logo o nome dela? Você vai almoçar com alguma mulher, não é, fala a verdade. Pô, ela não tem uma amiga, não?

- Rodolfo, não é nada disso, dá licença, você está me atrasando, não preciso te contar todos os meus passos. Mais tarde nos falamos, agora, com licença, o elevador chegou.

E antes que Rodolfo retrucasse, entrou correndo no elevador e apertou insistentemente o botão para o térreo, fechando os olhos e os ouvidos para o que o Rodolfo gritava. Pronto, estava livre, foi mais difícil que pensava, mas chegou à recepção, agora era só pegar o taxi, em 10 minutos estaria no shopping. Toca o celular, era o Rodolfo.

- Que praga, se não fosse tão galinha, ia achar que esse cara tem uma queda por mim!

Desligou o celular, se o chefe ligasse, também não ia querer atender, depois, só ia ficar fora de contato por duas horinhas, dependendo...

Sentiu calor em pensar, desde o término do noivado, esta era sua nova aventura. Nada de ‘periguetes na night’, saía mais caro. O lance agora era Scort Girls, como anunciava o site. Profissional! Escolhia e marcava o encontro, tudo por internet, e podia ser a qualquer hora, sábado à noite, domingo de manhã, durante a semana ou um almoço executivo, como hoje. Aliviava a “carência”, acabava com a fase chata da conquista barata, e não tinha que ficar agüentando crise histérica por que não tinha ligado no dia seguinte. As mulheres estavam muito complicadas.

Chegou ao shopping, entregou correndo o dinheiro ao taxista, deixou quase dez reais de troco. Não queria perder nenhum momento. Agora era procurar pela loira de terninho preto e lenço florido. Não tinha como errar! Quando combinaram achou muito formal, nem parecia a descrição de uma garota de programa, pensou logo em saia cinto, coxa grossa, barriguinha de fora, piercing no umbigo e tamancão com salto transparente, mas depois até achou melhor, mais disfarçado. Parou na lanchonete combinada, sentou-se, colocou a pasta verde em cima da mesa, como combinado, e pediu um chopp, agora era só aguardar, ela faria o contato.

Passaram-se longos 5 minutos, tudo bem, ele estava adiantado mesmo. Mais dez. Pensou em ligar o celular, talvez ela estivesse tentando fazer contato. Ligou. Mensagens! Cinco ligações perdidas do Rodolfo. Desligou. Já tinha acabado o primeiro chopp, levantou a cabeça para chamar o garçom e deu de cara com ela. Mas “ela” era a Suzana! P... Q... P...! Era a Suzana! Minha ex-noiva virou garota de programa! Não pode ser!

Suzana se aproximou. No site o nome era Sheila, mas devia ser um disfarce. Aliás, a foto do site também não lembrava a ela, mas podia ser uma dublê de corpo, como estava de costas com o rosto coberto, não tinha como confirmar. Suzana sorriu, evidentemente sem graça:

- Nossa! Não esperava te encontrar assim! Que surpresa! – falou, mal disfarçando o embaraço e o desconforto.

- Pois eu não esperava menos ainda! O que você tá fazendo aqui?

- Como assim o que estou fazendo aqui? Estou trabalhando.

- Mas aqui no shopping? Você trabalha no shopping?

- Não, claro que não, nossa sede é em outro bairro, bem discreta, nem todos os clientes gostam de ir até lá. Estou sempre aqui neste horário, para me encontrar com os clientes. Finalmente tive coragem de largar aquele escritório chato.

- Entendi... Sede discreta, encontra com os clientes aqui, todos os dias! (Não “to” acreditando, ela é mesmo garota de programa!)

- Quase todos os dias. Às vezes viajo e às vezes tenho que trabalhar fins de semana. Mas pelo menos me divirto muito. (Não “to” acreditando, será que ele está com ciúmes?!)

Longo silêncio enquanto ambos se mediam com o olhar.

Márcio não conseguia acreditar, sua ex-noiva havia se tornado garota de programa. Em um minuto ele foi da revolta à culpa. A forma como haviam terminado poderia ter causado algum trauma em Suzana / Sheila. Eles namoraram dois anos e noivaram por mais um. Até o belo dia que ele decidiu que não era aquilo que ele queria, que ele precisava conhecer o mundo (e por isso entenda-se outras mulheres), e faltando três meses para o casamento, tirou férias e viajou sem falar com ela. Ligou de Ibiza avisando que estava muito confuso e que precisava pensar. Foi com o Rodolfo, é claro.

Mas que culpado, qual nada! Se ela estava fazendo isso, era porque gostava. Ela mesmo dissera: “estou me divertindo muito”. A idéia começou a lhe parecer boa, quem sabe conseguiria um desconto de 100%, a título de reviver os velhos tempos!

- Fico feliz que esteja se divertindo. Você odiava seu antigo trabalho. Mas não vamos falar de trabalho, não é mesmo. – desconversou, já arrependido, encarar Suzana nesta situação o estava deixando sem graça, melhor não entrar diretamente no assunto e partir para a simulação, viver a fantasia, era até excitante. Com aquelas roupas ela mais se parecia com uma secretária, o que era quando se conheceram. Talvez ela também estivesse sem graça, afinal, ela também não tinha como adivinhar que estaria se encontrando com ele. Convidou-a para sentar.

- Por favor, sente-se, vamos tomar um chopp?

- Claro, vou adorar, mas só um chopp, não posso demorar, tenho que voltar em no máximo uma hora. – Suzana falou enquanto se sentava.

- Nossa, mas quanta pressa, não podemos esticar pelo menos mais meia horinha?

- Vai depender do seu comportamento! – Ela falou e sorriu de lado, piscando um dos olhos. Márcio se animou, ela já estava ficando audaciosa. Ele resolveu entrar de vez na brincadeira

- Acho que meu desempenho é melhor quando estamos sozinhos, vamos para outro local, com mais privacidade?

Suzana tremeu! Primeiro sorriu sem graça e achou muito abusado da parte do Márcio ir direto ao assunto desta maneira. Quando terminaram por telefone, ela ficou arrasada e depois que ele voltou da viagem tentou se encontrar com ela algumas vezes para se explicar pessoalmente, mas ela se negou a encontrá-lo. Ele insistiu por três meses, mas ela não queria nem ouvir o nome dele. Cogitou estar agindo errado, mas o orgulho era mais forte. Toda a história do namoro, noivado e término se passou em três segundos pela cabeça dela. Talvez agora tivesse a chance de finalmente desabafar e encerrar de vez a história. No fundo, restava a esperança da redenção. Em mais dois segundos imaginou ele pedindo desculpas de joelhos, chorando e implorando para ela voltar para ele, dizendo que ela era a mulher da vida dele e que deixá-la foi a maior burrada que ele já havia feito. Mais uma vez o orgulho decidiu. Em um ímpeto, ela respondeu:

- Nem pede a conta, paga direto no caixa, te espero lá fora. – e levantou-se sem olhar para trás.

Márcio chegou correndo atrás um minuto depois. Pegou-a pelo braço e caminharam sem falar mais nenhuma palavra até a saída do shopping. Entraram no primeiro táxi e ele deu o endereço de um motel.

- Não, não! – Interrompeu Suzana. – Vamos para o meu apartamento, agora moro aqui perto.

- Mas é seguro? Quero dizer, você não se importa de me levar para sua casa?

- Márcio, você é canalha, mas não é bandido. Te conheço, e além do mais, tenho malhado muito, se quiser, posso te dar uma surra! Você bem que merece!

Que mulher é essa?! Márcio não estava reconhecendo a ex-noiva. Como ela mudara! Mas estava bem melhor. Ficou mudo até chegarem ao apartamento da Sheila / Ex-Suzana. Daquele ponto em diante, era ela quem comandava.

Entraram porta adentro com tudo caindo, chaves, bolsas, roupas, moral e memórias. Sheila Suzana estava selvagem, bruta, devassa, irreconhecível e irresistível. Márcio nem tentou comandar, se entregou e apenas falou: - quero serviço completo, faz o que você quiser!

Suzana não entendeu bem o que era o tal do serviço completo, mas atacou Márcio com toda a fúria de uma mulher abandonada. Pensou: - vou dar à esse babaca o melhor sexo da vida dele, ele nunca mais vai gostar de nenhuma outra mulher. Aí, eu dou um chute na bunda dele, só para ele sentir o gostinho do que me fez passar.

Não estava tocando Alceu Valença, mas se amaram “como uns animais”. Márcio experimentou técnicas que teria vergonha de admitir aos amigos, Sheila o montou como a um touro bravo, sugou seu membro como uma sanguessuga, desvirginou seu ânus, e o levou a loucura. Foi vertiginoso, rápido e intenso. Ele já estava tonto e falando fino quando o despertador do celular dela tocou. Ela estava sentada em cima dele pulando como uma pipoca, mas parou imediatamente e soltou um – Putz! Tô atrasada! – Márcio abriu os olhos e fechou a boca, voltou à realidade sem acreditar naquela que devia ser a melhor transa da vida dele, logo com a ex-noiva, antes tão romântica e sem graça.

Suzana se vestia apressadamente e gritava para ele fazer o mesmo, teria que sair dali, voltar para o shopping, pois tinha um cliente esperando por ela, ele teria que pegar um táxi dali mesmo e se virar. Márcio sentiu uma pontadinha de ciúmes e pensou: - Caramba! Outro cliente logo em seguida, ela deve estar tomando catuaba! Terminou de se vestir e pegou a carteira, antes de tirar o dinheiro, virou-se para Suzana e disse:

- Suzana, preciso confessar uma coisa.

Suzana gelou! Era agora. A redenção. Respirou fundo e se virou lentamente. Márcio ainda não tinha se ajoelhado. Esperou ele falar.

- Eu sinto muito por tudo o que aconteceu no passado conosco, queria te pedir desculpas há muito tempo, mas não consegui falar com você antes. Foi muito estranho a gente se encontrar dessa maneira, eu fiquei muito constrangido e quase que não topo ir adiante com a brincadeira, mas estou muito feliz que tenhamos seguido em frente. Você foi muito profissional, se mostrou muito forte e experiente. Estou mesmo admirado. Fico feliz que você esteja feliz fazendo isso, sei que a maioria das mulheres teria problemas morais, mas vejo que não é seu caso...

- Como? Não estou entendendo?

- Por favor, não me interrompa ainda, me deixa terminar, é muito difícil pra mim. Confesso que a princípio fiquei com um pouco de ciúmes, minha ex-noiva, quem poderia imaginar.

- Do que você está falando, Márcio? Olha, não tenho tempo pra isso, preciso sair, fala logo, para de enrolar.

- Bom, só queria dizer que foi muito bom te ver de novo, e espero que possamos fazer isso novamente.

Suzana o olhou fixamente com um leve desdém. Era mesmo um covarde, não teria coragem de se declarar logo de cara. Mas agora também ela não tinha tempo, tinha que correr para o compromisso.

- Olha, Márcio, se você quiser, podemos nos encontrar novamente sim. Vou te deixar o meu cartão, com meus contatos diretos. Preciso ir agora, termine de se vestir e quando sair, bata a porta para trancar o apartamento. Tchau! Até a próxima, você foi ótimo, fofo!

E saiu, deixando o cartão na mesinha ao lado da porta. Márcio foi tomar um banho e se arrumou o mais rápido que pode, em dez minutos já estava saindo também. Pegou o cartão sem olhar e o colocou no bolso da camisa. Contou o dinheiro na carteira e deixou uma gorda gorjeta de quase 100%. Ela merecia. Ah, como merecia!

No táxi, a caminho do trabalho, enquanto se deleitava relembrando cada momento da trepada fenomenal, tirou o cartão do bolso para ler o que tinha e escrito, quando de repente, gritou:

- P... Q...P....!!!!! PARA O CARRO!

O taxista freou o carro bruscamente e se virou para ele:

- Tá tudo bem, cavalheiro?

Márcio olhava para o cartão e para o taxista, repetidamente. O que deveria fazer? Voltar? Mas o apartamento agora estava trancado. Suzana não ia entender nada quando visse o dinheiro. Que confusão, mas ela estava com a roupa combinada. Lembrou-se que só na subida para o andar da área de alimentação tinha visto umas três mulheres de terninho preto e lencinho floridos. Como era burro, como poderia ter se confundido assim! Só conseguiu balbuciar quatro palavras:

- Ela é Personal Stylist!

_______________________________________

Há quarenta minutos atrás, no shopping, a verdadeira Sheila excomungava até a última geração de Márcio por deixá-la plantada por vinte minutos no shopping lotado, esperando por ele. Mas os contatos dele já estavam no cadastro, iria rastreá-lo e cobrar pela hora perdida.

Naquela noite, depois de andar o dia inteiro no shopping com seu cliente, Suzana precisou de quase meia hora para entender o que aquele dinheiro estava fazendo em sua mesa da entrada, mas preferiu não acreditar na hipótese que a atormentava.

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