Gostava de mudar o protetor de tela do seu computador conforme seu humor. O problema é que seu humor era menos reflexo do seu estado de espírito que de sua personalidade, e como ela tinha o gene da felicidade, o protetor de tela estava sempre enfeitado com bebês sorridentes, bichinhos fofinhos, flores coloridas, paisagens deslumbrantes e ensolaradas ou, para os dias que estava de “mau” humor, apenas cores vibrantes como figuras geométricas em 3D.
Para sua colega de trabalho, que fazia a contabilidade, aquilo era irritante, já que para ela a vida era bidimensional e exata. Para seu chefe, aquilo era dispersante, já que para ele o mais importante era o foco no negócio, não em sonhos. Para ela, era apenas uma maneira de se lembrar de coisas belas e simples, mas que trazem muita alegria só pelo fato de existirem, sem a necessidade de somarem a nada, nem de serem bem sucedidas financeiramente para serem realizadas.
Mas era humana, e como tal, suscetível aos reveses e influências da vida e por isso, determinado dia, sua tela amanheceu preta, sem nenhum desenho, apenas os ícones das pastas mais acessadas. O seu gene da felicidade estava sucumbindo à dor da solidão e frustração amorosa. Descobriu que por causa da sua alegria e sorriso permanente, ao seu redor a julgavam tola, pois quem poderia ser tão feliz que não fosse tolo, que não tivesse déficits mentais. Sentiu-se julgada à revelia e condenada injustamente. Revoltou-se. Pegou em armas e foi combater mau humor com cara feia, vestiu-se de cores sóbrias e neutras, inexpressivas e frias, gelou-se por dentro e por fora, e para sua infelicidade, alcançou seu objetivo, conseguindo o respeito que queria.
Dependia do emprego, senão teria jogado tudo para o alto, pois aquela armadura de mulher séria, cínica e ríspida pesava mais que chumbo sobre sua alma leve, clara e amorosa. Todos os dias ia trabalhar travestida de durona e voltava para casa mais mole do que nunca. Para compensar adotou dois gatos e um cachorro, encheu a casa de plantas e bonecas e já estava pensando seriamente na produção independente de um bebê. Refugiava-se em seu recanto aconchegante e fora do trabalho só se reunia com os seus, a sua turma, que gostava do mesmo que ela e acreditava na inteligência feliz. E de protetor de tela passou para protetor de pele, para no trabalho fingir ser triste, para em casa poder ser feliz.
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