O dia amanhece e acordamos preguiçosos. A noite foi um sonho profundo, longo, macio e gostoso. Lá fora é verão, mas há dois dias que chove. Muito embora chova, ainda assim é verão e, portanto, está quente. Mas aqui dentro, não. Aqui dentro o ar condicionado gela o ambiente e embaixo do edredom está aconchegante. Eu já acordei a mais de uma hora atrás, mas insisto em continuar sonhando. Você começa a se mexer e eu finjo que ainda durmo. Não quero me levantar, a única coisa que nos aguarda são compromissos, trabalho, trânsito e estresse. Mas não adianta pedir, você já está de pé e pronto para começar a cumprir sua lista de tarefas, e tudo o que eu queria era continuar aqui nesse recanto curtindo você. Sua primeira linha forte de argumentação: viver o presente, não deixar para amanhã o que deve ser feito hoje. Minha defesa: só mais um pouquinho!
Você discorre sobre todas as implicações decorrentes de deixar para amanhã o que deve ser feito hoje, recrimina a procrastinação, aponta para a disciplina como um fator predominante na história das pessoas bem sucedidas e recrimina a atitude de deixar tudo para a última hora. Mas eu contesto e te demonstro como, pelo menos, algumas vezes, saciar a vontade imediata pode fazer bem para o físico e o emocional. Eu sei que a responsabilidade é premente, mas nem por mais cinco minutos? Seu discurso continua repetindo a importância de eliminar a autocomplacência e manter o foco na realização, pensar no futuro e não no prazer imediato. A sua mente é analítica, objetiva e pragmática, voltada para o resultado, altamente eficiente, dificilmente convencível. Mas eu sou insistente.
Não quero fazer apologia ao ócio, nem defender a vagabundagem. Apenas acho que momentos especiais não podem ser negligenciados, nem que estes momentos pareçam, a um primeiro olhar, cenas cotidianas e banais. Procrastinar também é uma arte, uma ciência, ainda que inexata. Requer uma mente criativa e muita coragem, pois é como jogar peteca com uma banana de dinamite. Acesa! Você joga para lá e para cá até o último momento, depois se desespera, prende a respiração, incorpora uma mulher biônica e faz tudo em velocidade máxima. Até que faz bem ao coração, por ser praticamente um exercício aeróbico. Não que eu queira fugir dos compromissos e da responsabilidade, mas minha mente é sonhadora, imaginativa e romântica, voltada para a experimentação, altamente instintiva, dificilmente perturbável. E repito, sou insistente.
Por isso, mais uma vez, com muita calma e movimentos milimetricamente ensaiados, enquanto deixo você discursar sobre a importância de não procrastinar, aos poucos vou tirando a roupa que você acabou de colocar e sem deixar você perceber lhe encaminho de volta a cama. Com beijos no pescoço, vários beijos seguidos de sim, você tem razão, ouço diminuir o volume da sua voz e aumentar sua palpitação. Agora, mais uma vez embaixo do edredom, prometo que em breve cumprirei meus compromissos, todas minhas tarefas, as de hoje e as de amanhã, se você ficar mais um pouquinho e procrastinar comigo.
Por isso digo, procrastinar é uma arte e faz bem ao coração.
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