Hoje queria contar uma história bonita, que alegrasse aos corações, inspirasse pensamentos elevados, transmitisse a melhor lição de moral e provocasse somente os bons sentimentos. Fui para o parque buscar material. O dia estava de bom humor, azul e amarelo, fresco e agradável. Vi várias mulheres com carrinhos de bebês, jovens e senhores correndo pelo calçadão, os vendedores de coco animados e alegres em suas barracas, gatos andarilhos, passarinhos intrometidos e cães domésticos passeando seus donos. Um desses cães aliviou-se em pleno parque, bem ao lado do cercadinho dos bebês, em cima do caminho que leva ao cercadinho, por onde passam os carrinhos. E o dono do cachorro, fingindo apreciar o céu azul, ignorou solenemente sua obrigação civil e já ia se esvaindo do local quando outro dono de cachorro, este mais civilizado e consciente, lhe ofereceu uma sacola de lixo para o primeiro cumprir devidamente com seu dever de bom cidadão e limpar o cocô do seu cachorro. Logo me animei. Olha que bom exemplo para uma história. Em um parque tão bonito, famílias inteiras aproveitando o dia de sol e seu direito de ir e vir, e para completar, uma lição de boa educação e civilidade. Infelizmente, o que se passou a seguir foi uma cena grotesca de pura estupidez por parte do “porco” dono do cachorro, que ao invés de agradecer, xingou e escarneceu do outro que só tentava ajudar, mandando que o outro limpasse ele mesmo. A discussão deve ter durado, mas eu não quis ficar para testemunhar o espetáculo de grosseria.
Voltei para casa revoltada com o espetáculo de má educação que havia acabado de presenciar, mas sem desistir de encontrar um bom motivo para mais uma história, agora mais ainda desejando encontrar um assunto digno de uma crônica ou um conto que me fizesse acreditar de novo que o bem vence o mal. Decidi ir para um museu me deixar inspirar por outras obras. Resolvi pegar o metrô. Acontece que eram ainda oito horas da manhã e o horário de tráfego mais intenso ainda estava vigorando. Há muito tempo que eu não andava de metrô, não sabia que andava tão disputado. O primeiro que passou, nem tentei entrar, ou melhor, nem consegui tentar, fui atropelada pelos passageiros que saíam e os que tentavam entrar. Aliás, nunca entendi, por que não esperam os passageiros saírem primeiro para depois entrarem, fica parecendo batalha corporal de guerra medieval, uma horda fazendo força contra a outra, e com o agravante que no meio da horda não estavam apenas homens, mas mulheres, adolescentes, idosos, mães com crianças no colo, todos se espremendo uns contra os outros. Somente no terceiro comboio resolvi enfrentar a batalha e tentar entrar no vagão. Fiquei espremida entre a multidão e entrei arrastada até o meio do vagão. Só consegui descer dois pontos após o meu destino pretendido. Amassada, estressada, com um dedo do pé doendo por causa de um pisão, completamente suada e totalmente revoltada com aquela situação, tive ímpetos de procurar a gerência e exigir retratação. Afinal, de quem é a culpa por tanto descaso com os usuários daquele meio de transporte, que tem incentivo governamental para seu funcionamento? Desisti, é claro, no primeiro funcionário que não sabia sequer me indicar quem era o gerente de pelo menos aquela estação. Voltei para casa de novo, pensando em escrever uma reportagem queixa.
Já em casa, retornei a minha idéia original, um contratempozinho não poderia me fazer desistir tão fácil. Precisava encontrar uma história bonita, mas a inspiração não vinha. Resolvi ler o jornal e fui colecionando histórias interessantes: uma chinesa salvou um rapaz do suicídio com um beijo, uma mulher conseguiu engravidar e ter o filho do marido morto, um taxista encontrou dinheiro em seu carro e procurou o dono para devolver, um jovem consolou com beijos uma moça caída no chão bem no meio de um conflito entre torcedores e policiais. Mas, não sei, nada mais me comovia, pensei até que talvez fosse TPM, mau humor, sei lá, encosto. Não consegui me comover com nada, nem pensar em nada digno de ser contado, a falta de educação do dono do cachorro, das pessoas no metrô, dos motoristas furando o sinal vermelho, buzinando imediatamente após a abertura do sinal, o bueiro explodindo, a polícia matando crianças e escondendo o corpo, idosos traficando, os livros com erros de português, as pessoas xingando na rua como se isso fosse bonito, os escândalos políticos, a minha falta de compromisso político, o desmatamento desenfreado, a quantidade de mulher pelada exposta na mídia, a banalização da pornografia, da violência, da maldade, e do mau se dando bem. Não, hoje definitivamente eu não iria escrever uma história bonita, hoje eu precisava ir para a rua e fazer alguma coisa bonita, qualquer coisa, nem que fosse limpar a minha calçada, ou entrar com algum processo contra a empresa responsável pelos bueiros, ir para um orfanato ou casa de repouso levar algum conforto, porque ficar só torcendo pelo bem não está dando muito resultado e ficar só reclamando também não vai me trazer nada de bom, talvez me traga sim é um câncer. Hoje eu precisava fazer alguma coisa para acreditar de novo no bem, no bom, no amor, na esperança e nesse tão falado país do futuro que mais parece a tentação de Tântalo: está sempre à frente, mas nunca ao nosso alcance.
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