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No Saara com a mãe e a sogra - prova de amor ao marido.

Não há forma mais eficaz de enlouquecer do que conviver, ao mesmo tempo, com a mãe e com a sogra. A sogra é sogra, dispensa apresentações, por melhor que seja a pessoa, não adianta, o interesse primordial da sogra está no filho, então ela será sempre sua opositora, mesmo que seja uma opositora gente boa. A mãe pode ser uma faca de dois gumes, pois quando ela é muito boa pode ser enjoada, e quando ela é chata, ela é chata, muito chata. O meu triangulo esposa-mãe-sogra é muito desequilibrado para o meu lado: minha sogra está sempre do lado do filho, a não ser quando o filho não está do lado dela, aí ela me pede apoio, de qualquer forma eu fico em uma situação de oposição a alguém. Já minha mãe, apaziguadora até o último fio de cabelo, está sempre tentando me convencer que eu estou errada e que devo ouvir o que os outros dizem, já que para ela é mais fácil debater comigo do que com qualquer outra pessoa. De novo, estou sempre me opondo a alguém.

De forma que minha situação aqui em casa chegou ao limite de enlouquecedora. Para exemplificar, nada melhor do que contar a última vez que eu quis fazer uma festa surpresa de aniversário para meu marido e chamei (muita ingenuidade da minha parte, eu confesso) minha mãe e minha sogra para me ajudarem nas compras. Pronto, estava formado o Inferno de Lara (e que Dante me perdoe pela apropriação indébita). Para completar o cenário, fomos fazer as tais das compras no centro comercial mais apinhado e abarrotado do Rio de Janeiro, o Saara! Quem não conhece o Rio talvez possa comparar com a 25 de Março de São Paulo, é muito parecido. Lojas e lojas, uma ao lado da outra, com aproximadamente cinco pessoas dividindo cada metro quadrado, materiais dos mais variados expostos nas calçadas, tomando já parte do espaço exíguo disponível para o tráfego dos milhares de pedestres e dos carros. Sim, também trafegam carros por ali. Pedras de paralelepípedo irregulares enfeitiçadas com o único propósito de fazer você tropeçar, vendedores fanhosos gritando nos microfones sobre as últimas promoções e algumas gracinhas para algumas transeuntes. Aliás, nem precisariam do microfone, deve ser só para que eles mesmos se ouçam, porque eles gritam praticamente no seu ouvido.

Eis o cenário. Minha intenção e humor iniciais eram bons, sabia que minha sogra ia adorar o passeio, e minha mãe as compras, mas subestimei a capacidade das duas de me levarem a insanidade repentina.
O Saara deve ter umas quatro ou cinco ruas de dois quilômetros cada para você fazer compras, então o passeio seria longo, muito longo, porque eu tenho uma falha no meu caráter que não me permite comprar na primeira loja, preciso, não sei por que cargas d’água, insegurança ou carência talvez, fazer pelo menos três comparações, então por isso queria visitar pelo menos uns dez quilômetros de loja, com sogra e mãe a tiracolo. E começou o meu calvário. Eu tinha uma idéia muito concreta do que queria em matéria de materiais e decoração, era para ser uma festa simples, com cara de aniversário de criança, com balões, pratinhos e copinhos de papel, salgadinhos, docinhos e bolo, tudo BBB&P: bom, bonito, barato e prático! Até a toalha eu queria que fosse de papel ou plástico, mas já na primeira loja, começou a discussão, a cor não estava certa, a quantidade estava exagerada, ou então era insuficiente, o tamanho da tigela estava errada, toalha de plástico era brega, de papel era feia, para quê tantos balões, para que balão qualquer (esse eu bati o pé, e comprei dois sacos de cem balões cada). E a cada discussão, uma puxava de um lado para dizer as vantagens do outro produto, a outra puxava do outro para me convencer que eu estava errada, logo depois de ter concordado comigo.

Quatro horas depois, duas das quais gastas somente com essas discussões, conseguimos sair do centro comercial e fomos fazer um lanche em uma cafeteria. Tive o cuidado de escolher uma que eu tinha certeza que seria unanimidade e que tinha álcool para eu restabelecer meus nervos. Eu já tinha resistido ferozmente aos ímpetos de ligar para meu marido e desabafar com ele, mas como era uma festa surpresa e ele estava viajando a trabalho, se eu ligasse e começasse a chorar copiosamente sem dizer o porquê, podia ser que ele ficasse muito preocupado do outro lado da linha, por isso resolvi poupá-lo. Quando o garçom chegou com o cardápio já pedi logo um chopp, para refrescar o corpo e a mente exaustos. Já não tinha mais a menor idéia do que eu tinha comprado, como seria a festa, se eu ia sobreviver até lá, se o meu casamento ia sobreviver até lá, mas tudo bem, pelo menos as duas estavam sorridentes ao meu lado, felizes por terem me “ajudado” e por estarem comendo salgadinhos na Confeitaria Colombo. Hoje eu consigo olhar para trás e me divertir com o episódio, mas acreditem em mim, foi doloroso na época. Já a festa foi outra história, fica para outro dia.

Atenção, sogras e mães! Lembrem-se que isto se trata de uma obra de ficção, qualquer semelhança é mera coincidência e que eu amo vocês!

Comentários

Anônimo disse…
Agora quero saber se rolou ou não a festa e se foi ou não surpresa! Estou esperando... bjs, Jana - Macaé

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