Ele colocou a folha em branco na máquina de escrever. Não gostava de computadores, suas histórias necessitavam de um martelar mais violento do que os de um teclado eletrônico para dar ritmo as suas narrativas sanguinolentas. As teclas da máquina de escrever batiam no papel virgem e alvo como socos e marteladas fatais que doíam nos ouvidos e machucavam as pontas dos dedos, e assim como em um assassinato, cada golpe da tecla marcava definitivamente sua vítima, no caso os personagens e o papel. Era derradeiro, não tinha como voltar atrás. Nem apagar.
Nesse dia em específico, o papel lhe parecia mais inocente do que nunca. Aquele papel branco, tão perfeito, tão liso como a pele de uma ninfeta, do mesmo modo tão atraente. O tanto que ele poderia fazer com aquela simples folha. Acariciou-a ternamente, sentiu seu cheiro e com muito cuidado posicionou-a na base do rolo da máquina, e bem lentamente rolou-a para a posição de início. Não tinha idéia do que ia escrever. Pensou em começar do princípio, girou o rolo até que chegou bem no centro da folha e com o dedo indicador, bem suavemente, teclou: A. Era o que tinha do título.
As horas que se passaram a seguir foram torturantes momentos de completa falta de idéias. Usou e abusou de todos os seus truques habituais. Consultou seus livros favoritos, marcados nas páginas que mais gostava; leu sua lista de frases e citações, coletadas ao longo de sua vida; jogou paciência; bebeu café; bebeu vinho; zapeou pelos canais da tevê a cabo; desesperou-se. Entrou em um processo helicoidal de desespero, girando incessantemente pelo escritório, falando sozinho, fumando cigarro após cigarro, em busca de uma inspiração. Girava e girava numa espécie de autoflagelação mental, se debatendo com idéias, lembranças e autocríticas.
Enfim, esgotado, sem ter por onde começar, resolveu começar assim mesmo. Começou a digitar palavras soltas e desconexas, ia escrevendo frases aleatórias, nomes, sensações, tudo o que lhe passava pela cabeça. Enquanto isso, o papel começava a se sujar, esgarçar e acabar. Para não perder tempo, deu a volta no mesmo papel, e começou a ignorar as margens, soltou a haste que prendia o papel ao rolo da máquina e começou a virá-lo manualmente, depois ao avesso, até que não sobrasse nem mais um espaço em branco para um ponto sequer.
Arrancou com força o papel da máquina, amassou-o completamente e jogou-o como um corpo sem vida no chão. Pegou outra folha e reiniciou o processo maníaco, no desespero de começar a história. Repetiu, repetiu e repetiu repetidas vezes a mesma ação, o mesmo ato de violência, ao longo de toda noite. Durante todo o tempo gritava, esbravejava contra o papel, contra a máquina, contra a unha quebrada que agora manchava também de sangue a máquina, o papel, seu rosto, o cigarro, o vinho e a mente perturbada. E o processo continuou até o dia amanhecer, aumentando gradativamente a velocidade e a loucura.
Quando parecia que ia finalmente ter uma síncope, quando finalmente conseguiu dentro de toda insanidade compreender que estava perdendo a razão, acordou, suado, assustado, e gritando, do que havia sido o pior pesadelo de sua vida: perder a inspiração. Refeito do susto, quando finalmente se convenceu que havia sido apenas um sonho, sentou-se, de pijama mesmo, de frente para o computador, e foi escrever sobre o sonho mais aterrorizante que já havia tido em toda sua vida.
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