Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2011

Para Não Dizer Que Não Falei Bem de Ônibus (Pelo Menos Uma Vez)

Meus queridos nove seguidores (pai, mãe e marido inclusos) sabem que travo uma batalha pessoal contra os ônibus e volta e meia estou a escrever crônicas mau criadas e sarcásticas a respeito deste tão temível meio de transporte público. Acontece que estou em uma situação interessante, e pela primeira vez na vida felicíssima de estar barriguda. E acontece também que esta situação tem o poder de mudar a personalidade dos injustiçados (por mim) motoristas de ônibus. Alguma coisa na mulher grávida amolece o coração do mais terrível deles. Tem sido realmente uma surpresa agradável perceber a preocupação deles comigo, que cresceu proporcionalmente com a minha barriga.

Protetor de Tela

Gostava de mudar o protetor de tela do seu computador conforme seu humor. O problema é que seu humor era menos reflexo do seu estado de espírito que de sua personalidade, e como ela tinha o gene da felicidade, o protetor de tela estava sempre enfeitado com bebês sorridentes, bichinhos fofinhos, flores coloridas, paisagens deslumbrantes e ensolaradas ou, para os dias que estava de “mau” humor, apenas cores vibrantes como figuras geométricas em 3D. Para sua colega de trabalho, que fazia a contabilidade, aquilo era irritante, já que para ela a vida era bidimensional e exata. Para seu chefe, aquilo era dispersante, já que para ele o mais importante era o foco no negócio, não em sonhos. Para ela, era apenas uma maneira de se lembrar de coisas belas e simples, mas que trazem muita alegria só pelo fato de existirem, sem a necessidade de somarem a nada, nem de serem bem sucedidas financeiramente para serem realizadas. Mas era humana, e como tal, suscetível aos reveses e influências da vi...

Compromisso

Acordou com ressaca moral, porque sabia que não iria cumprir o compromisso agendado há quinze dias. Não entendia bem porque, mas tinha certeza que era capaz quando aceitou o projeto – o projeto que iria mudar a vida dele, sua grande chance finalmente – mas agora o prazo estava acabando e não tinha feito sequer um terço do que precisava para entregar naquele dia. Era necessário escrever trinta páginas, um resumo, ou um argumento como é melhor compreendido dentro do mundo dos roteiristas. Ele tinha os personagens, eram magníficos, mas os personagens estavam perdidos, sem sentido, não sabiam bem o que tinham que fazer. A história não estava ainda enredada, era apenas uma idéia, e não forte o suficiente para vender o argumento e transformar-se em um filme. E ele precisava entregar algo que fosse irrecusável, genial, inédito e inovador.  Mas agora não tinha mais tempo para preciosidades. Uma frase ocorreu em sua mente antes treinada para o mundo executivo: o ótimo é inimigo do bom! Ele...

Família Empresarial

A instituição familiar é como um emprego, você vai galgando degraus, subindo de postos, ganhando um pouco mais, fazendo um pouco menos, pode ser promovido, pode ser demitido, pode até pedir demissão. O primeiro posto é o de filho, ou filha, não há diferença nos gêneros, apenas funções. O filho é como um estagiário, ele acha que faz muito, que ganha pouco, que abusam da boa vontade dele, e que ele é importantíssimo para o funcionamento da empresa, embora não contribua significativamente. Tão pouco tem idéia que às vezes dá mais despesa que lucro para a empresa, ou melhor, família, e sempre tem a desculpa que no caso dele, o mais importante é estudar, não trabalhar.

O Amor Está Em Mim

Estou vestida em sentimentos, Apaziguada em movimentos Revolvida de dentro pra fora Consumida, satisfeita embora. E o Amor dentro de mim. E o fruto conseqüente, É o presente da entrega, É o futuro da promessa, De um passado tão recente, Quando o amor veio pra mim. Porque eu amei, E fui amada, E nós, amando, Nos replicamos, Nos repetimos, Nos recriamos, Nos reproduzimos. E o nosso Amor agora cresce em mim. E com os fatos, enfatuada Enternecida, agradecida, Sinto seu peito no meu peito Pulsando cheio em ressonância E o eco dos nossos peitos Do nosso core multiplicado Prosseguimento do nosso sangue E do amor de você pra mim. Porque o Amor está em mim. O seu, o meu, e o Amor. Este sim, sem fim.

A Fé Que Não Sabia Que Era Fé Ele tinha pais. Quer dizer, sabia de onde vinha, sabia quem tinha sido seu pai, sabia onde estava sua mãe, mas não tinha um lar, vivia alternando moradia entre o orfanato e a rua. Fazia o que precisava para sobreviver, mas era de bom coração, boa índole, não gostava de machucar, nem tirar sangue dos outros, e só roubava se fosse para comer. Vivia assim desde os seus quatro anos, quando foi deixado no orfanato pela mãe, e agora aos sete já havia cansado de ouvir que sua vida seria essa até a maioridade, pois já não tinha mais chances de ser adotado, estava velho. Acontece que algo no peito dele não o deixava acreditar, e por isso, sempre voltava para o orfanato, quando o tempo começava a esfriar, na esperança que talvez alguém viesse buscá-lo. Naquele verão, já de novo nas ruas, encontrou uma turma que gostava de dormir nas escadarias da igreja da praça e que deixou ele se juntar a eles. Disseram a ele que as velhinhas que gostavam de rezar todos os dias e...

Preconceito e Pensamento Corrupto

Ainda fico chocada quando ouço algum comentário preconceituoso. Não consigo compreender como no meio de tanta informação e diversidade ainda haja espaço para o preconceito, o separatismo, a prepotência da superioridade de uma raça sobre a outra. Não podemos supor a origem ou a predestinação de nada nem ninguém pela aparência, mas esse preconceito existe, infelizmente, e vai além da aparência. Alguns tipos de preconceitos já estão tão arraigados em nossa cultura que já viraram termos comuns de expressão do racismo que temos arraigados e nem sequer percebemos. Por exemplo cabelo ruim como expressão de cabelo crespo. Por que ruim? Ruim em relação a qual outro, o liso? Porque é o liso com o qual nos acostumamos depois de séculos de propaganda estética da classe dominante? Porque o liso é o predominante nas cabeças dos que escravizavam negros de cabelos crespos? Ora, olhemos pela ótica da biologia, da etnia, o crespo nada mais é que a adaptação evolutiva do cabelo para uma raça que habitou...

Pressa

Despertador insistente. Relógio adiantado para dar a sensação de atraso. Ducha gelada. Roupa de malha que não amassa. Rabo de cavalo. Maquiagem no elevador. Café expresso. Via expressa. Não tem elevador expresso? De desjejum o resto do biscoito do lanche de ontem. O computador já fica ligado. O monitor tá demorando a ligar. Dois segundos depois, os fones já estão a postos. O ponto começa a valer. Ligações começam a entrar. Lembrar de respirar. O texto está na tela. Contar dois segundos entre cada frase. Bexiga apertando! Quarenta minutos até a primeira pausa. Lembrar de pegar água para deixar na mesa. Colega está discutindo com algum cliente mau criado. Supervisor discutindo com colega. Hora do bandeijão! Massa com carne moída. Não tem que cortar, nem mastigar muito. Deixar bebida para o final, para ajudar a descer. Um chiclete sem açúcar para limpar os dentes.

Diários Falsos

Ela havia inventado uma nova brincadeira. Ela gostava de inventar brincadeiras, desde criancinha, sempre inventava uma nova forma de interação, um novo desafio, uma aventura inédita. Uma vez havia raptado o cachorro da amiguinha e colocado todas as crianças do bairro para procurar, quem achasse ganharia um prêmio. A amiguinha não gostou muito, mas toda a vizinhança se envolveu na busca. Acharam o cachorrinho no dia seguinte, desesperado de fome e susto, preso dentro de um quarto de uma casa abandonada. Sua mãe precisou prometer a mãe da outra menininha, dona do cachorrinho, que estava inconsolável desde o dia anterior que sua filha nunca mais se aproximaria da casa deles. Era muito inventiva, mas tinha um gosto exacerbado pelo risco, não media as conseqüências. Na adolescência, quem quase morreu foi ela própria. Já tinha a fama de inventiva e maluquinha, portanto não atendiam mais a todos os seus chamados, gritos de socorro, bilhetes de resgate ou qualquer outro truque imaginativo dig...

Sem Vergonha

Eu queria ser sem vergonha. Ou ter menos vergonha, pelo menos. Ter coragem de falar o que vier à minha mente na hora que vier. Não é não ter papas na língua, mas fazer o processamento antes, aplicar boas doses de diplomacia e expressar, de preferência, sempre com muito bom humor, o que estiver pensando, no momento que estiver pensando. Não quero ser sem vergonha para “dizer verdades”, criticar ou machucar ninguém. Minha avó já dizia muito bem: “se não é para falar bem, fique calada”; Gertrude Stein também dizia mais ou menos a mesma coisa: “se não for para escrever sobre coisas belas, não escreva.” Eu queria ser sem vergonha para contribuir para a melhoria do mundo, do meu mundo pessoal. Por exemplo: em uma das minhas deliciosas aventuras de ônibus pelas ruas do Rio – aliás, trafegar por esta cidade, seja a pé, de ônibus, de carro, de táxi ou de metrô é sempre uma aventura maravilhosa; de bicicleta então, é quase esporte radical, pura adrenalina – pois ia eu em um desses ônibus co...

Dia a Dia

Abre os olhos e sorri. Mais um dia, mais uma vez, mais um pouco da alegria. Sai para trabalhar, enfrenta trânsito, mau humor, injustiças, muito trabalho, pouco dinheiro, mas se sente rico no amar, na sorte, na fartura, na saúde e no espírito. Está com suas responsabilidades atendidas, não deve nada a ninguém, não sofre com ansiedade, pois ama tudo o que tem, e só deseja mais condição para aproveitar melhor sua vida, daquele jeito mesmo, sem maiores melhorias. Passa o almoço, metade da tarefa está comprida, agora é esperar o tempo trazer o momento de finalmente voltar para seu recanto, onde se sente dono, se sente quente e seguro. Com um olho no relógio e o outro no pensamento, leva no automático a condução das suas obrigações, tão mecânicas que não carecem de maiores concentrações.

As Fases Ridículas do Amor

Amar é bom. Amar é muito gostoso. Não há nada mais emocionante que o início de um relacionamento, a começar pela paquera. Aquele suspense antes da realização da conquista só é menos excitante que o primeiro beijo. Ah, o primeiro beijo, este então é irreprodutível! Como mimetizar aquela sensação eletrizante quando finalmente os corpos se aproximam e é possível sentir pela primeira vez a respiração e o hálito do outro, os lábios se tocam e finalmente o corpo inteiro se arrepia com a sensação de descoberta. E quando os beijos se encaixam, então? O desejo até aumenta, porque beijo bom é sinal que o resto vai ser bom também, é como prenúncio de afinidade química, indicando que o que vai rolar depois também vai ser maravilhoso. Mas isso tudo é só o começo, é a parte da paixão, do efêmero. Depois, quando a paixão vigora e vira relacionamento sério, e esse relacionamento dá certo e vira amor, começam as fases ridículas do amor, e com ela as bobagens que adoramos. A primeira fase é a da de...

A Dor da Borboleta

A menina um dia acordou e se sentiu diferente. Olhou para as bonecas e não deu bom dia, olhou para o espelho e não se reconheceu. Não era dia de aula, não tinha que levantar, por isso não abriu a porta e ficou na cama tentando decifrar o que estava diferente naquela manhã. Sua cabeça estava confusa, ela tinha vontade de chorar, sentia saudade de algo ou alguém que não sabia bem o quê ou quem. Pensou com raiva no coleguinha da escola que vivia implicando com ela, chamando-a de Air Bag, matando ela de vergonha todos os dias. Pensou com raiva, mas a raiva se dissipou em tristeza e começou a chorar. Não que estivesse com vontade, mas não conseguia controlar. Resolveu levantar, foi para sua penteadeira e ficou se olhando no espelho. Olhou longamente o rosto refletido, o qual já não compreendia mais, depois resolveu estudar o air bag, que tanto a incomodava. Chorou mais um pouco. Olhou de novo para as bonecas, agora com tristeza, já sentia saudades delas, mas não as via mais com a mesma gr...

Uma Vida em Quatro Parágrafos

Nasceu velho, não porque era enrugado como qualquer outro bebê, mas porque já recém nascido sofria a dor da responsabilidade de estar por sua própria conta. Quando precisou, gritou o mais forte que conseguia com seus pequenos pulmões mal formados para ser ouvido de dentro do latão de lixo onde fora largado. Foi socorrido e levado a um hospital, sua condição batida de bebê abandonado não cativava mais a mídia como dantes, bebês eram abandonados quase que diariamente agora, a notícia era velha, portanto não recebeu nenhum tratamento especial, ficou no hospital somente o tempo necessário para ser levado por uma família provisória, até ser adotado definitivamente. Cresceu pulando de lar em lar, buscando a adaptabilidade. Sua personalidade forte não aceitava ser forjada por nenhum tipo de educação ou religião, assim era constantemente mudado de família, até que finalmente foi parar em um lar para crianças órfãs, onde finalmente encontrou seus pares e começou sua gangue. No caso dele, a vi...

Mensagem no Celular

Quarta-feira, sete horas da manhã, tocou o despertador na rádio preferida deles. Estela não teve coragem de abrir os olhos. Suspirou fundo ao perceber, quase dois minutos depois, que ainda aguardava pelo abraço costumeiro e o beijo de bom dia usual. Não viriam mais. Quis que estivesse acordando de um pesadelo, mas sabia que o pesadelo começaria quando ela se levantasse. Ao invés disso, jogou o despertador contra a parede e continuou por mais uma hora na cama, de olhos fechados, chorando em silencio. Estela estava decidida a não acreditar que o mundo, a vida, o trabalho e tudo mais continuaria depois da partida de Luiz. Seu único alento era acreditar na eternidade da alma. Seu conforto que se ele partira era porque já havia cumprido sua missão nesse planeta, portanto não morrera, apenas evoluíra. Sua única esperança que ela também partisse em seguida, a seu encontro. Mas toda sua fé não a havia preparado para ir depois dele, nunca vislumbrou viver sem seu grande e único amor, simplesmen...

Doação por Telefone

Você está na santidade do seu lar totalmente relaxado, ou na maior concentração possível, se o seu caso é igual ao meu e você trabalha em casa. Todas as tarefas cumpridas, casa arrumada, contas pagas, filhos alimentados, banhados e graças a Deus já encaminhados para a escola. É só você e você, nem a empregada está mais e você tem as próximas duas horas exclusivas para seu próprio uso fruto. São duas horas inteirinhas só para você. Para trabalhar, ler um livro, ver um filme, tirar uma soneca, tomar um banho comprido, sei lá, o que for do gosto de cada um, qualquer coisa ou coisa nenhuma, o importante é que nesse momento não há compromissos além dos seus próprios. Aí toca o telefone...

Sabedoria de Avô

A tarde estava gostosa. A primavera adiantava um pouco do seu calor e colorido, aquecendo o dia com um sol cavalheiro, vigoroso e respeitador. No quintal da casa, o extenso pomar convidava para um passeio por entre as diversas árvores e arbustos. Embaixo das árvores, podia-se sentir uma brisa constante, agradável, que apesar do vigor do sol, lembrava que ainda era inverno. E este ar gelado, perfumado pelas frutas cítricas que pendiam das árvores, refrescava o sol, a pele, os pulmões e o pensamento de Pipa. Ela caminhava devagar por entre as árvores, fazendo questão de passar as mãos nos troncos de todas pelas quais passava, sentindo sua forma e sua aspereza, provocando sensações de cócegas nos dedos. E aos poucos ia distanciando-se, muda, deixando seu corpo relaxar do almoço e do alvoroço daquele encontro familiar. Já fazia mais de dez anos que não visitava o sítio dos avós, palco de seus momentos mais felizes de infância. Foi justamente naquele sítio, aos sete anos de idade, que gan...

Poesia Vazia

Cabeça vazia Coração vazio Lábios ressecados Olhos úmidos Abraços caídos Coração quebrado Dor que atravessa Antes ao menos preenchesse Mas apenas fere, fura e me deixa De novo vazia e vazando Sangue, lágrimas e sentimentos Pedantes, piegas, ultrapassados Como uma adolescente, Como uma paixão inexperiente Virgem, enfatuada e inconseqüente Tão cheia de si, tão cheia de nada Nada digno nem de um poema As palavras correm incoerentes Repetitivas e deprimentes Tantas vezes ditas, repetidas E da paixão que era nova Resta a poesia já batida Batida e abatida quanto o coração quebrado Pendentes como um corpo enforcado sem vida Balança ao ritmo dos abraços caídos Mofada com a tumidez dos olhos úmidos Dura e esbranquiçada como os lábios ressecados Sem sentido, sem palavras, sem beleza Assim como o coração e a cabeça Vazia.

Depois de Uma Noite Perfeita

A noite foi maravilhosa, tudo correu como desejado, mas ao mesmo tempo foi surpreendente, pois o desejo era mais um sonho que uma expectativa. O beijo foi bom e correspondido, a tensão estava no ar, os corpos arrepiados, as sensações hiperbolizadas, tudo foi perfeito, então porque depois o cara não liga? Nina estava radiante, há muito não se sentia tão bem consigo mesma, tão segura, tão bonita. Acabara de comprar um vestido maravilhoso, sua semana havia sido ótima, e estava se preparando para sair com as amigas. Não havia pretensões nenhuma para a noite, seu último rolo havia finalmente se desencantado e virado pó, e ela estava se sentindo finalmente com o coração livre para novas emoções, até para nenhuma, pois para aquela noite, sua maior ambição era se divertir e dançar o máximo possível com as amigas. E se voltasse sozinha para casa não iria ficar chateada, pois ela estava se bastando, afinal era uma mulher segura e realizada, não precisava de homem para ser feliz. E a noite come...

No Saara com a mãe e a sogra - prova de amor ao marido.

Não há forma mais eficaz de enlouquecer do que conviver, ao mesmo tempo, com a mãe e com a sogra. A sogra é sogra, dispensa apresentações, por melhor que seja a pessoa, não adianta, o interesse primordial da sogra está no filho, então ela será sempre sua opositora, mesmo que seja uma opositora gente boa. A mãe pode ser uma faca de dois gumes, pois quando ela é muito boa pode ser enjoada, e quando ela é chata, ela é chata, muito chata. O meu triangulo esposa-mãe-sogra é muito desequilibrado para o meu lado: minha sogra está sempre do lado do filho, a não ser quando o filho não está do lado dela, aí ela me pede apoio, de qualquer forma eu fico em uma situação de oposição a alguém. Já minha mãe, apaziguadora até o último fio de cabelo, está sempre tentando me convencer que eu estou errada e que devo ouvir o que os outros dizem, já que para ela é mais fácil debater comigo do que com qualquer outra pessoa. De novo, estou sempre me opondo a alguém. De forma que minha situação aqui em casa c...

Pesadelo

Ele colocou a folha em branco na máquina de escrever. Não gostava de computadores, suas histórias necessitavam de um martelar mais violento do que os de um teclado eletrônico para dar ritmo as suas narrativas sanguinolentas. As teclas da máquina de escrever batiam no papel virgem e alvo como socos e marteladas fatais que doíam nos ouvidos e machucavam as pontas dos dedos, e assim como em um assassinato, cada golpe da tecla marcava definitivamente sua vítima, no caso os personagens e o papel. Era derradeiro, não tinha como voltar atrás. Nem apagar. Nesse dia em específico, o papel lhe parecia mais inocente do que nunca. Aquele papel branco, tão perfeito, tão liso como a pele de uma ninfeta, do mesmo modo tão atraente. O tanto que ele poderia fazer com aquela simples folha. Acariciou-a ternamente, sentiu seu cheiro e com muito cuidado posicionou-a na base do rolo da máquina, e bem lentamente rolou-a para a posição de início. Não tinha idéia do que ia escrever. Pensou em começar do princ...

Você lê os comentários nas páginas de notícias da internet?

Matar o tempo, que delícia! Descobri uma nova maneira de matar o tempo, fazer uma masturbação mental, ficar dormente em frente o computador enquanto a inspiração e a vontade de trabalhar não vêm: é o zapping internético! Fico pulando de página em página dos mais diversos jornais, lendo somente as manchetes, me atualizando para o papo do boteco, sem me aprofundar em nenhuma das notícias, até porque em papo de mesa cheia em boteco você não precisa falar mais que duas frases, basta comentar uma linha que o assunto gira a mesa como aquela brincadeira antiga do telefone sem fio, cada um vai dando sua opinião e aumentando um pouquinho no conto. De vez em quando alguma notícia me interessa mais, aí clico no link para ler a matéria toda. Até um tempo atrás eu lia também os comentários dos outros internautas, mas isso começou a me gerar um medo, comecei a ficar deprimida, foi me dando uma sensação de estrangulamento, de oquequeeutofazendoaqui, de desespero, enfim, pânico. Incrível como de repe...

Em Busca de Uma História Bonita

Hoje queria contar uma história bonita, que alegrasse aos corações, inspirasse pensamentos elevados, transmitisse a melhor lição de moral e provocasse somente os bons sentimentos. Fui para o parque buscar material. O dia estava de bom humor, azul e amarelo, fresco e agradável. Vi várias mulheres com carrinhos de bebês, jovens e senhores correndo pelo calçadão, os vendedores de coco animados e alegres em suas barracas, gatos andarilhos, passarinhos intrometidos e cães domésticos passeando seus donos. Um desses cães aliviou-se em pleno parque, bem ao lado do cercadinho dos bebês, em cima do caminho que leva ao cercadinho, por onde passam os carrinhos. E o dono do cachorro, fingindo apreciar o céu azul, ignorou solenemente sua obrigação civil e já ia se esvaindo do local quando outro dono de cachorro, este mais civilizado e consciente, lhe ofereceu uma sacola de lixo para o primeiro cumprir devidamente com seu dever de bom cidadão e limpar o cocô do seu cachorro. Logo me animei. Olha que ...

Solidão da Mente

Você se pega às vezes pensando em nada, como se seu cérebro tivesse paralisado e entrado em modo automático, conferindo ao organismo apenas os comandos necessários para continuar pulsando. Neste momento, no exato momento em que você acorda, sua mente volta num retrocesso até o primeiro pensamento que te levou à viagem sem destino e sem lembranças, mas só que agora você entende que há sim recordações de vários pensamentos, mas você mergulhou tão dentro de si que seus pensamentos ficaram inaudíveis até para você mesmo. Você se interiorizou, a um canto, uma profundeza de seu inconsciente que só pode ser sua alma, que naquele momento vagava em uma experiência extracorpórea. Momentos fáceis de fazerem isso acontecer normalmente ocorrem naquelas horas que você está preso a alguma tarefa manual, com algum ritmo constante como fundo musical, como um mantra hipnotizante, e você não precisa pensar em mais nada além de esperar que aquele momento acabe. Como em uma viagem de avião, ônibus ou trem...

Separação em Comunhão Total

O amor não acabara, mas a vida havia imposto uma distância intransponível entre os dois. Porque as perspectivas eram sombrias, ele decidiu ignorar o coração e ouvir a razão. Diante de uma lista de prós e contras, concluiu que apesar de serem almas complementares teriam que se separar. Foi durante um jantar, no restaurante preterido dela, que foi feita a leitura da lista e da decisão tomada. Ela tomou em um gole o vinho fraco, não disse uma só palavra, além da aquiescência, pediu para partir e fugiu da cena do crime. A distância foi dolorosa. Suas vidas já estavam muito atreladas quando se separaram, retomar a individualidade estava sendo mais duro que imaginara. Para não correr o risco de ferir sua dignidade apagou todos os telefones, endereços, redes sociais, e outros dispositivos que pudessem facilitar a busca desesperada por informações. Foi uma atitude suicida, pois nenhuma notícia tornava a distância e a separação ainda mais derradeira e abismal. Mas precisava ser forte e manter...

Memórias de Chip

Quando eu nasci fui recebido com muito carinho. Tinha mais seis irmãozinhos, mas minha mãe tratava a nós todos da mesma maneira. Nossa caminha era quentinha, e tinha uma mulher que ajudava minha mãe, trazendo comida para ela, água fresquinha e mais jornais para manter nosso ninho aquecido. A primeira sensação que aprendi foi a felicidade. Era tão gostoso ter aquele mundinho só para mim, meus irmãos e minha mãe, que não achava que a vida podia ser mais que isso. Logo aprendi que quanto mais feliz, mais meu rabinho balançava, e tratava de abanar mais rápido toda vez que a nossa cuidadora aparecia para demonstrar toda nossa gratidão. Depois descobri que ela não gostava que fizéssemos aquilo, pois um belo dia apareceu um homem estranho que cortou nossos rabinhos. Foi muito doloroso, mas eu não fiquei chateado, nunca iria deixar de sentir gratidão por nossa cuidadora, afinal, ela nunca nos abandonou. Até o dia que eu fui tirado de minha mãe e de meus irmãos. Eu não sei o que fiz de...

Como Da Primeira Vez

Há algo que me encanta toda vez que te vejo e que não sei explicar. Meu sorriso brota espontâneo e involuntário quando te reconheço no meio da multidão. De repente, tudo ao meu redor some e só há nós dois nesse momento. E a cada reencontro, desde sempre, meu coração para, como da primeira vez. Há qualquer coisa esquisita que se revolve dentro de mim toda vez que você me toca. Minha boca seca, minhas mãos umedecem, minhas pernas tremem, meu peito retumba e minhas faces coram. De repente meus pensamentos rodam e as palavras fogem. E a cada toque, desde sempre, minha respiração para, como da primeira vez. H á um não sei quê intoxicante toda vez que sua boca encosta na minha. Tenho a sensação de que estou caindo, caindo, caindo. O vento soprando forte, o chão dos meus pés fugindo, meu corpo leve e trêmulo. De repente a sensação de queda transforma-se e me sinto flutuando sobre nuvens, calma e tranqüila. E a cada beijo, desde sempre, meu mundo para, como da primeira vez. Há algo, qual...

Sonho de Criança

    Quando eu era menina, como todas as outras meninas, sonhava. Mas eu sonhava em ser diferente. Isso talvez me diferenciasse, mas enfim, eu também sonhava. E os sonhos, apesar de diferentes, partiam de um ponto comum: o que eu ia ser quando crescer! Tudo bem que, devido à minha genética, meu pai dizia que eu não cresceria muito, mas isso era só para me irritar, o que invariavelmente acontecia. De qualquer forma, insistentemente, eu seguia sonhando, e crescia. Sonhava que seria contorcionista de circo ou a versão feminina do Tarzan. Não a chata da Jane. Queria pertencer à floresta! Ainda com a intenção de me matar de raiva, meu pai dizia que eu não precisava me preocupar, pois que eu já era a cara do Mogli. Graças a Deus eu tinha minha mãe por perto para me defender nessas horas e me restituir a autoestima.      Teve uma época, por volta dos seis anos, que me encantei com um livro de capa de couro verde, grande, grosso e com letras miudinhas, que tín...

O Dia Perfeito

Céu azul, sol e uma praia só sua. Amores, amigos, movimento e liberdade. Churrasco, cerveja e bola. Águas claras, águas rasas, águas cálidas. Ondas para surfar, Ventos para velejar. E de fundo, boa música a acompanhar. Sai o sol e entra a lua, Redonda, próxima e incandescente, Brincando na beirada do mar, Raiando luz e romance, Sobre amores, amigos, vinho e violão. E a tranqüilidade de estar ganho o pão. Mas o dia perfeito pode ser urbano...

Luxo e Classe

Alice acordou, fez um copo de café na chaleira amassada e tomou com um cigarro. Arrumou-se atrasada e desceu correndo acelerando de ansiedade enquanto terminava de se maquiar no espelho do elevador. O primeiro passo na calçada foi o toque de despertar definitivo: mais um dia, nada novo. Marcelo foi despertado pelo serviço de quarto do hotel. Com o controle remoto abriu suavemente as cortinas para a luz do dia entrar. Se espreguiçou demoradamente depois pegou o telefone para encomendar o café no quarto. Seguiu para o banheiro e só saiu vinte minutos depois, no mesmo momento em que seu café chegava. Reclamou rispidamente com o garçom que não haviam mandado seu jornal e não se lembrou de agradecer por mais nada. Alice se espreitou entre os passageiros do ônibus lotado para conseguir descer em seu ponto. Conseguira chegar na hora, mas ainda precisava trocar de roupa e colocar o uniforme. Retocou a maquiagem, calçou o escarpin e compareceu à recepção com três minutos de atraso. Seu chefe ...

Vilão

Pessoas más são interessantes, complexas e intrigantes. Erico Veríssimo, através de uma personagem de "O Tempo e o Vento", diz que é muito fácil ser bonzinho, o difícil mesmo, o que requer mais coragem é praticar maldades. Para ser mau, um precisa ser dois, precisa ludibriar, fazer parecer, agir por trás, ter duas caras, fazer pacto com Deus e o Diabo. O bonzinho, não, basta ser ele mesmo, verdadeiro aos seus valores imutáveis, sempre certinho, previsível, manipulável, chatinho, chatinho. Por mais maniqueísta que possa parecer, assim são criados os personagens tradicionais. Mas a arte não consegue imitar a vida tão bem quanto a vida imita a arte. De fato, alguns fatos verídicos são tão surreais que não são traduzíveis em arte, fica parecendo invenção inverossímil, e por causa disso, muito vilão da vida real perde metade de sua vilania quando transposto para um livro ou um filme.

Pretensão

Eu adoro vinhos, mas nunca tive vontade de fazer um curso porque tenho medo de perder a inocência e ficar pretensiosa. Tenho medo de não poder mais escolher meus vinhos pelo preço, ou de não ficar mais completamente satisfeita com qualquer vinho da casa do restaurante ou boteco que eu estiver no momento. Penso que nesse caso, ignorância é mesmo uma benção. Esses dias bebi um vinho que tinha um cheiro muito esquisito, desagradável mesmo. Até tinha um gosto bom, mas o cheiro não era nada convidativo. Eu comentei e recebi uma reprimenda, pois o vinho era caro e supostamente deveria ser maravilhoso. Pensei cá com meus botões que bem podiam ter comprado aquele vinho de vinte e cinco reais que adoro e que me deixaria muito mais satisfeita. Em qualidade e quantidade.

Primeiro Encontro

O primeiro encontro é especial. O primeiro encontro é cheio de expectativas. Expectativas sobre o outro e sobre nós mesmos. Queremos a noite perfeita, a lua mais redonda e mais brilhante, o trânsito desimpedido, o garçom com PhD em gentileza. É imprescindível que nossa pele esteja perfeita, o bronzeado atualizado, o cabelo idêntico a comercial de xampu e o humor e perspicácia afiados e sintonizados. Mas eu já ouvi histórias bem aterrorizantes de primeiros encontros. Conheço duas amigas que esperavam ansiosamente pela chegada de seus pares, que vinham a seu encontro partindo de outro estado, de carro, para o primeiro fim de semana sozinhos de cada casal. Elas haviam preparado tudo: a casa, o champagne na geladeira, estética em dia, a semana inteira a base de salada e água. Ia ser o fim de semana perfeito. Ia! Eles sofreram um acidente na estrada, o carro capotou e lá se foi o fim de semana entre seguro, reboque, acalmando famílias pelo telefone, e preenchendo formulários. Os rapazes fi...

Meus Cachorros

Já tive cachorro de vários tipos, raças e tamanhos. Várias personalidades também. Eles dão o maior trabalho, custam uma grana e ainda te fazem sofrer pra burro quando morrem. Mesmo assim, nunca consegui ficar sem cachorro. Eu simplesmente amo esses anjinhos de rabo que latem pra caramba. Bom, os meus latem. Eu nunca tive vontade de treinar nenhum cachorro, sempre preferi que eles tivessem livre arbítrio para demonstrar sua verdadeira personalidade. E sempre recebi em troca muitas surpresas agradáveis. Já tive cachorro rabugento, vingativo, malandro, dengoso, implicante, preguiçoso, guloso e por aí vai.

Faxina Excita?

A praia é mesmo uma riquíssima fonte de inspiração. Estava eu, em um dia desses de sol e calor insuportaveis, sozinha na praia, brigando contra o sol para conseguir ler meu livro. O astro-rei jogava baixo e se refletia nas páginas mirando diretamente em meus olhos e me cegando. Como não tinha nada mais interessante para fazer, resolvi observar meus vizinhos na areia. Não demorou nem dez segundos para eu escolher o papo e o tipo que me interessava mais. Um grupo de mulheres na faixa dos cinqüenta falava mal em alto e bom tom de uma amiga que não estava presente. Só podia ser amiga, porque não temos intimidade suficiente com inimigos para saber o que essas mulheres sabiam da pobre ausente.

Crianças

Pérolas dos melhores professores do mundo. Juninho estava visitando os tios que moravam em outra cidade. Foi com a mãe, o pai e o irmãozinho passar um mês inteiro do verão na praia. A viagem foi longa, seis horas em um carro cheio de malas, Juninho estava cansado e queria seu paninho de estimação, sem o qual não dormia. A mãe, em conversa animada na sala com a irmã que há quase um ano não via, se esqueceu de preparar a cama adequadamente para o filho. Pacientemente, chupando um dedo, Juninho se aproximou da mãe e durante um minuto inteiro esperou a mãe atendê-lo. Como ela insistia em ignorá-lo, foi forçado a interromper a conversa com um alto e bom “Ô Mãe!” No que a mãe respondeu assustada “O que foi, Juninho?” O pequeno de quatro anos olhou-a com os olhos pendurados e perguntou “cadê meu paninho?” Apressada e doida para colocar a fofoca da família em dia, sem olhar novamente para o filho, a mãe respondeu “tá no seu quarto”. Escolado já com os humores da mãe, Juninho virou-se imediat...

Alguém Como Você

Eles se conheceram na faculdade, mas não se tornaram namorados imediatamente, se tornaram amigos, muito amigos. Em uma de suas desilusões, ele a consolou durante uma noite inteira. No dia seguinte, depois de ter chorado a noite toda, amassada, azeda, inchada, acordou assustada ao lado do amigo, e com novos olhos descobriu nele um novo amor. Ele já a amava a um tempo, mas não havia ainda tido coragem de declarar seu amor, com medo de perder a amiga. E o amor floresceu, foram felizes, foram jovens, foram loucos, foram sonhadores. Durante anos, juntos, passaram por todos os ritos normais de jovens em amadurecimento. E com a chegada da fase adulta, veio a responsabilidade, as contas, as frustrações, as dúvidas, as brigas. Perdidos em meio às questões práticas e chatas da vida, se separaram, se amando. Muita dor e muito sofrimento, várias tentativas de retorno, até que ela foi forte e deu o corte final, exigindo que ele mudasse não sei o quê que ela achava que ele precisava mudar.

A Arte de Procrastinar

O dia amanhece e acordamos preguiçosos. A noite foi um sonho profundo, longo, macio e gostoso. Lá fora é verão, mas há dois dias que chove. Muito embora chova, ainda assim é verão e, portanto, está quente. Mas aqui dentro, não. Aqui dentro o ar condicionado gela o ambiente e embaixo do edredom está aconchegante. Eu já acordei a mais de uma hora atrás, mas insisto em continuar sonhando. Você começa a se mexer e eu finjo que ainda durmo. Não quero me levantar, a única coisa que nos aguarda são compromissos, trabalho, trânsito e estresse. Mas não adianta pedir, você já está de pé e pronto para começar a cumprir sua lista de tarefas, e tudo o que eu queria era continuar aqui nesse recanto curtindo você. Sua primeira linha forte de argumentação: viver o presente, não deixar para amanhã o que deve ser feito hoje. Minha defesa: só mais um pouquinho! Você discorre sobre todas as implicações decorrentes de deixar para amanhã o que deve ser feito hoje, recrimina a procrastinação, aponta para a ...

Ogro Encantado

Semana passada saí com minhas amigas para uma noite só das meninas. Essas noites geralmente são regadas a muito vinho e muita malhação. Malhação aos maridos. Isso mesmo, nos encontramos para falar de nossos respectivos. Bom, de outros maridos e solteiros também, é claro. Sempre é muito divertido e fazemos muitas comparações. Normalmente, retorno à minha casa com vontade de bater no meu marido porque acabo inventando que ele não está me tratando tão bem quanto o marido de outra. Mas, às vezes, acontece o inverso e chego em casa muito carinhosa, dando graças a Deus por ele não fazer comigo o que o marido da outra fez com ela! Ele nunca entende e sempre pergunta se eu estou de TPM. Qualquer mudança no meu humor ele acha que é TPM. Na última dessas noites, falamos muito da nossa infância, e de como sonhávamos com o príncipe encantado. Uma de minhas amigas ainda tem uma lista que ela fez quando tinha doze anos descrevendo as qualidades que o príncipe encantado dela teria que ter. Eu me lem...

Por Onde Achas Que Andei?

Por onde achas que andei, que terras pisei, Ou que barro se embrenhou por entre os vãos dos meus sapatos rotos? Sabes por acaso da poeira que se entranhou em minhas rugas, Preenchendo meus vazios, intoxicando meus pulmões? Não sabes da minha vida um terço, nem sequer uma conta Como então te atreves a me julgar pela capa, pela cara, pela roupagem, Que no meu caso nem é bossa, é trapo, como eu. Como podes querer que em meros meses Me conheças mais que a mim mesmo em meio século? Se soubesses por onde tenho andado, por onde calos me hão sido formados, Talvez então um ínfimo do que sou saberias, entenderias, Mas nem assim poderias com certeza afirmar, Que meu ser transparente a ti te fazias, nem mesmo assim!

Fantasiando a Caminho do Trabalho

Chegamos ao apartamento por volta das sete da noite, o início da noite quente de verão ainda estava claro, a praia ainda estava cheia. A vista era deslumbrante, assim como a mulher ao meu lado, quente e úmida como a noite de fevereiro. A pele dela, de um moreno dourado estava brilhosa de suor, e por isso parecia ainda mais palatável. Eu não via a hora de pular a introdução e poder colocar minhas mãos naquele corpo. Mas ela estava arredia como um bicho acuado, precisava ser sutil para fazê-la se entregar sem pudores. Por isso, depois de deixá-la na varanda apreciando a vista, fui logo pedir um champagne ao serviço de quarto. Quando voltei à varanda, ela estava com os cabelos enrolados de uma força bagunçada e seguros com uma das mãos em um coque na base da nuca, enquanto a outra mão abanava a parte traseira do pescoço. Vislumbrei uma gota de suor que acabara de nascer e ameaçava descer pela coluna abaixo. Fiz um esforço descomunal para não segurar aquela gota, minha vontade era passar ...

Presentes que a Vida te Dá

Desde que resolvi me declarar escritora e trabalhar em casa tenho saído muito pouco durante o dia. Tento resolver o máximo possível desde de casa e evitar trânsito, ruas apinhadas, comércio, calor e filas. Tenho tentado, mas não tenho conseguido muito. Pois bem! Eis que em mais uma destas tentativas fracassadas, lá estava eu a caminho do centro da cidade às duas horas da tarde de uma quarta-feira. Decidi ir de ônibus, porque era mais barato, eu não estava com pressa e porque ainda estou traumatizada com o metrô (história para outra crônica, quando eu estiver menos traumatizada e já puder fazer piada a respeito do ocorrido). Mas de volta ao ônibus: estava eu sentada na poltrona do corredor, escrevendo em meu caderno de anotações idéias para minhas próximas crônicas, quando de repente, um vento forte e quente balançou as árvores na rua, levantou lixo que estava espalhado pelo chão, a saia de uma pedestre e deixou ainda mais confusa aquela tarde engarrafada e calorenta. O calor que est...

Fábula Verídica em um Rio Africano

Ungulados são animais de uma antiga classificação científica, que assim dividia os mamíferos de acordo com seu casco. Ungulados são os cavalos, os gnus, os bois e os hipopótamos, entre outros. Com um, dois ou três dedos, eram todos herbívoros, mas nem todos pastavam. Caído o uso da tal classificação, mamíferos ainda assim são chamados de ungulados, mesmo que alguns também habitem os mares. Interessante compreender a relação entre os seres vivos e perceber o quão próximos estamos um dos outros. Mesmo se herbívoros ou carnívoros, terrestres ou marítimos, todos de alguma forma descendemos de uma mesma origem. Não que sejamos todos ungulados, mas somos todos animais. E com muitas similaridades, sem dúvida, embora tão improvável. Observamos e estudamos os selvagens e os domesticados e estamos sempre surpreendendo-nos com suas demonstrações de inteligência, afetuosidade, evolução e por que não, humanidade.

O Amor e a Alegria. A Providência contra o Destino

No princípio dos tempos, quando não havia nada e o mundo ainda aguardava ser criado, uma centelha brilhante, do tamanho de um grão de areia, aguardava o momento de florescer. Naquela época reinavam no cosmo os irmãos Destino e Providência, e o Destino determinou que aquela centelha fosse um casal, que habitaria o mundo quando este já estivesse completamente finalizado e devidamente populado. A providência, romântica que era, aprovou com entusiasmo a idéia, e lhes fez bonitos, muito bonitos, invejáveis.

Inversão de Papéis

Nascemos todos indefesos, uns mais que outros até. Somos talvez a espécie animal mais frágil ao nascer, mais dependente dos pais. Nossa origem é das mais variadas também. Desejados, imprevistos, programados, manufaturados, inseminados, adotados, acidentes. Os mais afortunados, graças que ainda seja a maioria, de uma forma ou de outra terão pai e mãe. E aí somos criados. Com ou sem experiência, somos sempre cobaias dos próprios pais, depositórios de desejos, expectativas, frustrações, válvulas de escape, experimentos da última novidade em pedagogia.

Música

E agora quero me declarar de forma nunca dita antes. Para que me repetirei em exemplos ou analogias, Se posso inovar e com sinceridade surpreender? Posso inventar agora uma letra de música, Que combine mais com a nossa história, Sem, no entanto, te revelar. Se nosso caso é deja vu, pelo menos é verossímil, E o mais importante agora é descobrir se é de verdade, Ou se tudo até aqui foi mero passatempo. E formular uma maneira de chegar a uma conclusão, Sem me esquecer que no meio da música haverá que ter refrão

E agora, o que eu faço com o bom humor?

E agora, o que faço com meu bom humor? Os amigos estão longe, cada um com seus afazeres. O Amor está ocupado, envolvido com o labor. A televisão é impassível, e eu sou muito expansiva para só olhar e ouvir, nesses momentos de alegria, preciso interagir. Na internet, mesmo em salas de bate papo, tudo é tão frio e virtual, nada parece conseguir suprir minha necessidade de calor humano palpável. E o telefone só satisfaz um dos meus sentidos, preciso ocupar pelo menos três para me sentir realizada.